Quem Não É Contra Nós É Por Nós
de Álvaro César Pestana
Haveria contradição nos provérbios de Jesus? Será que Jesus se enganou? Veja os seguintes textos: “Pois quem não é contra nós, é por nós” (Marcos 9.40; Lucas 9.50); “Quem não é por mim é contra mim, e quem comigo não ajunta, espalha” (Mateus 12.30; Lucas 11.23).
Antes de continuar é útil tirar proveito desta aparente contradição para rever boas regras de estudo bíblico. Primeiro, um texto, uma palavra e mesmo uma idéia só terá sentido em seu contexto. Fora do contexto só há erro e contradição; o sentido do texto, da palavra e de qualquer idéia vem do contexto. Segundo, os ditos proverbiais apresentam verdades gerais que precisam ser entendidas como regras gerais e não como profecia ou como afirmação absoluta sem exceção. Por exemplo: Provérbios 26.4 e 5 apresentam regras gerais “contraditórias”, pelo menos aparentemente, mas na verdade cada provérbio é válido como regra em certas circunstâncias e em outras não. Com estas duas idéias em mente, vamos estudar o que Jesus quis dizer com estes dois provérbios.
UMA VERSÃO PARA CADA SITUAÇÃO
Os dois provérbios que estamos estudando ensinam a mesma lição. Não há contradição de idéias, mas simplesmente uma mesma verdade expressa de dois modos diferentes, para uso em diferentes análises. Para a auto avaliação, usa-se o provérbio mais severo (quem não é por mim, é contra mim); para a avaliação de outros, usa-se o mais suave (quem não é contra nós, é por nós). A lição básica é sempre a mesma: “É impossível ficar neutro em relação a Jesus”.
NEUTRALIDADE IMPOSSÍVEL
Jesus curou um endemoninhado mudo, expulsando o demônio que causava esse mal. Os que viram o milagre reagiram de três formas: uns ficaram admirados, outros acusaram Jesus de ter um pacto com (ou estar possuído por) Belzebu, o demônio maior, e outros, finalmente, pediam que Jesus fizesse mais um milagre para provar quem ele realmente era (Lucas 11.14-17).
Jesus não faz milagres para provar algo a quem já teve toda a evidência que precisava. Jesus e Deus Pai não forçam o homem a aceitá-los. Certamente pedir provas a Deus não é o meio de ter fé para a salvação. Jesus passa a raciocinar com eles mostrando que é razoável crer nele como enviado de Deus, com base na evidência que já tinha sido dada. É assim que devemos agir hoje com aqueles que querem “mais razões” para crer. Jesus, na ocasião, mostrou que ele não seria um aliado do Diabo, pois estava a destruir-lhe o reino. Na verdade, Jesus estava provando que tinha mais poder que o Diabo e seus demônios. Além disto, a presença de tal poder entre os homens era evidência da proximidade do Reino de Deus (Lucas 11.17-22).
É neste momento que Jesus diz: “Quem não é por mim é contra mim, quem comigo não ajunta, espalha” (Lucas 11.23). A ilustração empregada por Jesus na segunda frase do provérbio vem do trabalho de ajuntar (ou espalhar) um rebanho, ou uma colheita. Ele afirma estar do lado de Deus e diz que aqueles que não estão do lado dele são inimigos de Deus. Quem não está com Jesus, está com Belzebu. “Quem não ajuda, atrapalha”.
Para ilustrar isto ele conta a parábola chamada pelos negritos de algumas Bíblias de “a estratégia de Satanás”. Se a “ex-casa” de um demônio tentar manter-se neutra, isto é, vazia, não vai ficar assim por muito tempo. Em breve aquele demônio voltará com outros piores ainda e o último estado do homem vai ser terrível, e bem pior que o primeiro (Lucas 11.24-26). Veja que esta parábola não é um aviso para as pessoas que um dia foram endemoninhadas. De fato, quando Jesus expulsava um demônio, ele não podia mais retomar àquela pessoa (Marcos 9.25). Esta parábola ilustra a impossibilidade de ficar neutro em relação a Jesus: não há casa vazia – não pode haver pessoa que não é nem de Jesus e nem do demônio. Ou seremos discípulos de Jesus, ou seremos inimigos dele. Não há meio termo.
Ao narrar este mesmo evento, Mateus dá ênfase ao fato de termos que decidir por Jesus, ligando o provérbio “quem não é por mim é contra mim; e quem comigo não ajunta, espalha” com a possibilidade de pecar contra o Espírito Santo, o pecado sem perdão (Mateus 12.22-32). 0 pecado imperdoável é a oposição deliberada e contínua a Jesus e sua obra. O pecado contra o Espírito Santo deve ser entendido à luz do ditado acima. Portanto, é impossível ficar neutro no que diz respeito a Jesus.
RIVALIDADE IMPOSSÍVEL
Jesus declara: “Se você não está a favor, está contra.” Por outro lado em Marcos 9.40 e Lucas 9.50 ele disse: “Se você não está contra, está a favor.” Esta aparente contradição é resolvida quando se observa as circunstâncias que geraram o provérbio “quem não é contra nós, é por nós”.
João, discípulo de Cristo, em uma de suas andanças encontrou um homem que expelia demônios usando o nome de Jesus. Este homem não era um dos seguidores de Jesus no mesmo sentido que eram os apóstolos e outros comissionados para aquele trabalho (Lucas 9.1-2; 10.1-12). João, talvez inspirado por um espírito de partidarismo como o de Josué (Números 11.16-30), proibiu o homem de continuar sua obra. Talvez, por causa do ensino sobre receber alguém em nome de Jesus, ele lembrasse do homem que, aos seus olhos, estava usando este nome sem merecê-lo e portanto não devia ser acolhido. Ele pede o parecer de Jesus sobre sua ação (Marcos 9.33-38; Lucas 9.46-49).
Ironicamente João estava agindo como os escribas que anterior-mente se opuseram a Jesus apesar da evidência da ação do Espírito Santo na realização de exorcismos (Marcos 3.22). Agora ele se opunha a um homem que tinha evidência de ter fé em Jesus e que estava fazendo o que alguns apóstolos não tinham conseguido um pouco antes (Marcos 9.18,28).
O Mestre ensinou que o comportamento de João, que representava o dos doze, era errado (Marcos 9.39-40). “Quem não é contra nós, é por nós” diz Jesus. Se aquele exorcista usava o nome de Jesus, deveria ter sido considerado como amigo por João e não como inimigo ou concorrente. Os discípulos de Cristo não precisam tomar “posições” com respeito aos homens; os homens é que precisam tomar uma posição com respeito a Jesus. O sentimento de rivalidade e de competição não é compatível com o caráter de servo que Jesus ensinou aos seus seguidores. Ser seguidor de Jesus é aprender a reconhecer que nem tudo tem de ser feito a nosso modo. Se o exorcista estava a favor de Jesus, deveria ser incentivado e não criticado; deveria, se necessário, ser instruído com maior exatidão sobre o caminho do Senhor (Atos 18.24-19-7). Ele não era como os sete filhos de Ceva (Atos 19.13-16), mas parecia ser alguém com uma boa atitude espiritual.
Este texto tem sido usado para ensinar que não importa a doutrina que alguém prega, desde que fale de Jesus: uma espécie de relativismo espiritual, onde um espírito meio ecumênico e meio eclético é transportado ao texto bíblico. Dizem: “Não importa se ele está pregando certo ou errado, mas se está falando de Jesus, devemos considerá-lo como irmão”. Este modo de pensar é incentivado pelas Bíblias onde este texto recebe o título: “Jesus ensina tolerância e caridade”. O texto não ensina nada disto! Ensina que devemos saber reconhecer apoio a Cristo e fé nele, mesmo quando a pessoa não é claramente identificada com Jesus. É um texto que manda abrir os olhos para ver o apoio à causa de Cristo e não um texto que manda fechá-los ao desvio da verdade. Nada podia ser declarado sobre a salvação deste exorcista (Mateus 7.21-23), nem ainda sobre todos os seus motivos interiores (Filipenses 1.15-18). De qualquer forma, ele não era neutro em relação a Jesus, mas estava do lado dele, pois “quem não está contra, está a favor” e vai evidenciar este fato com atos de verdadeira fé (Marcos 9.41).
APLICAÇÃO
Estes dois provérbios ensinam verdades que a igreja e os cristãos precisam fixar em suas mentes:
1. É impossível ficar neutro com relação a Jesus. Se não cooperamos com a obra de Cristo, estamos a obstruí-la. Se cooperamos com a obra de Cristo, esta cooperação deve ser real e completa. O grande erro de Pôncio Pilatos foi o de não querer se envolver com Jesus. Ele tentou lavar as mãos e, neste ato onde buscava neutralidade, acabou por tornar-se culpado da maior injustiça da história humana (Mateus 27.24). Pilatos optou pelo cômodo recurso da neutralidade quando deveria ter absolvido Jesus, se o considerasse inocente, ou mandá-lo matar, se o encontrasse culpado. É impossível ficar neutro em relação a Jesus. No mesmo erro incorreu o grande rabino Gamaliel (Atos 5.33-42).
Embora sua intervenção salvasse os apóstolos de morte certa, seu parecer não é verdadeiro. Seu conselho foi que deixassem o tempo passar, para saber se aquele movimento era de Deus ou não. Mas o fato é que Gamaliel e o Sinédrio não podiam deixar o tempo julgar assuntos sobre os quais eles precisavam tomar uma decisão pessoal e também uma decisão a nível jurídico para a nação. Deixar o tempo passar impede pessoas de se converterem a Jesus. Além disso, há muitos erros que duram muito tempo, fazendo-nos pensar, pelo parecer de Gamaliel, que são coisas certas. Não é possível ficar neutro: ou Jesus é o Senhor ou é um terrível embusteiro. Não há comodidade aqui; não há neutralidade.
2. Precisamos reconhecer o apoio à causa de Cristo nos outros. Marcos 9.38-41 e Lucas 9.49-50 não nos ensinam tolerância para com o erro doutrinário, mas sim visão e sensibilidade para reconhecermos aliados na luta contra o mal. Quando percebemos que alguém está tentando cooperar com Cristo. devemos aproximar-nos dele como amigos e, se necessário, ajudá-lo a ser mais fiel a Jesus. Devemos chamar homens a Jesus e não afastá-los dele.
3. Devemos ser rigorosos conosco e flexíveis com os outros. Os textos de Marcos 9.40 e Lucas 9.50 (“quem não é contra nós, é por nós”) devem ser nosso critério para observação dos outros. Mateus 12.30 e Lucas 11.23 (“quem não é por mim, é contra mim; e quem comigo não ajunta, espalha”) deve ser nosso critério de auto-análise. Foi assim que Jesus usou estes diferentes ditados: seja rigoroso ao julgar a si mesmo e seja cuidadoso ao julgar o próximo.
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O livro de Álvaro César Pestana do qual este capítulo foi extraído, “Provérbios do Homem-Deus”, pode ser encomendado da Editora Vida Cristã selecionando a capa do livro ao lado: