LONGE DE JESUS, OU COM ELE
deD.M. Lloyd-Jones
Hoje quero chamar sua atenção paraesses dois versículos porque eles parecem resumir em si a humanidade toda, eindicam as duas únicas categorias em que é possível dividir a raça humana.Todos nós pertencemos a um desses dois grupos. Ou queremos nos livrar deCristo, ou então queremos estar com Ele, entregando-Lhe inteiramente a nossavida. Não existe uma terceira alternativa. Ou somos a favor dEle, ou contraEle. Mas a natureza humana é tão enganadora que estamos sempre tentando evitaressa divisão básica, e tentando persuadir-nos que há inúmeras outrascategorias. Sentimos que essa separação distinta revelada nesta passagem —entre a atitude dos gadarenos em geral e a deste homem em particular — émuito extremada, e portanto não se ajusta à média. Lemos que essas pessoas”começaram a rogar-lhe que saísse dos seus termos” — ou, comoLucas o expressa, “a multidão… lhe rogou que se retirasse deles”,que partisse, e temos a tendência de nos proteger atrás desses termosextremados. Eles quase sugerem violência, e sentimos que, qualquer que seja anossa atitude, nem nos piores momentos temos rogado que Cristo Se retirasse.Todavia, todo o ensino do evangelho deixa claro que estamos em um desses doisgrupos. Em última análise, o que importa não são os meios ou métodos queadotamos, nem se somos violentos ou não, mas a condição do nosso coração.Resistência sempre é resistência, quer seja passiva ou ativa. Recusar honra auma pessoa é o mesmo que desonrá-la. Um homem ataca com veemência e vituperação,mas aquele que simplesmente escarnece e zomba com desdém muitas vezes é uminimigo muito mais perigoso. Não é a forma ou expressão que importa, mas acondição e os motivos do coração. E minha convicção é que, consideradotudo, existem apenas dois motivos, duas atitudes em relação a Cristo e àsalvação. Ou suplicamos que Ele Se vá, ou então rogamos que nos permita ircom Ele.
É porque falhamos em reconhecer issohoje em dia que temos toda a confusão atual dentro e fora da Igreja. Insistimosem julgar os outros e a nós mesmos na base de um infinidade de padrões —pecados, boas obras, palavras, etc. Essas são nossas categorias. Falamos depessoas como sendo respeitáveis ou não, ou falamos delas em termos de certospecados em particular e a maneira como são cometidos, e assim confundindo aquestão e fazendo um julgamento superficial. Essa sempre foi a tendência dahumanidade, e sempre foi o maior inimigo que o evangelho teve que enfrentar. Aessência do ensino do evangelho é que, em última análise, nada importa alémda nossa atitude para com Cristo e a salvação que Ele nos trouxe de Deus. Épor isso que ele é realmente o evangelho da graça de Deus. E é por isso quetodos que verdadeiramente crêem nele devem ser gratos por toda a eternidade. Oque me salva é que eu sou julgado por esse padrão. Se eu fosse julgado pormeus próprios padrões de moralidade e comportamento, seria inevitavelmentecondenado sem qualquer esperança ou recurso. Se eu fosse julgado pelas vidasdos santos, minhas chances de salvação seriam praticamente nulas. Se eu fossejulgado pela vida perfeita, revelada e vivida por Jesus Cristo de Nazaré, entãoestaria perdido. Mas, pela eterna graça de Deus, esse não é mais o teste. Aquestão agora é: O que eu faço com Ele? Qual é minha atitude para com Ele?Qual é minha atitude para com a salvação que Ele me oferece? Pela graça deDeus eu já não tenho que responder a pergunta: “Você é perfeito?”— para ser condenado de uma vez devido à minha imperfeição. Em Cristo, apergunta agora é: “Você gostaria de ser perfeito? Anseia ser bom e puro enobre?”
É aqui que muita gente boa se desvia, eé por isso que hoje quero chamar sua atenção para este conhecido incidente.Ele revela o novo teste de diferenciação introduzido pelo evangelho. O homemque foi liberto dos demônios não se tornou perfeito imediatamente. Na verdade,lemos que Cristo precisou corrigi-lo de certa forma, quanto a isso, e mostrar oque era certo. Oh, não! Ele não era perfeito! Não era isso que o diferenciavados seus companheiros. O que era, então? Apenas isto: ele desejava estar comCristo, ao passo que os demais queriam se livrar dEle! Em nenhum lugar do NovoTestamento o cristão é apresentado como alguém absolutamente perfeito e sempecado. Cristão perfeito — essa é uma acusação falsa, levantada contra nóspelo mundo. O cristão é alguém que anseia ser perfeito e sem pecado, e seesforça para isso. Ainda que muitas vezes ele falhe e caia, e se sinta desanimado eabatido, ainda assim ele continua esperando, lutando e se esforçando em direçãoao alvo. Como eu disse, pela graça de Deus não somos julgados na base do quesomos, mas na base do que esperamos ser — daquilo que gostaríamos de ser! Étudo uma questão de motivação, de disposição fundamental. E, nesse nível,como eu já disse várias vezes, há somente duas posições possíveis. E épreciso que isso fique perfeitamente claro. Respeitabilidade, ou falta dela, nãofaz qualquer diferença aqui, cultura ou falta dela não tem influência nesteponto, pecados, evidentes ou secretos, são idênticos nesse nível, indiferençaou hostilidade ativa surgem como gêmeas, filhas dos mesmos pais aqui. Meuamigo, a questão é: qual é sua ambição? Você anseia ser santo? Querconhecer a Deus e ser reconciliado com Ele? Nada mais que você faça temqualquer importância. A única coisa que importa é: o que você sente arespeito de Cristo? Quer se livrar dEle, ou deseja estar com Ele? Porque, tãocerto como você e eu estamos aqui, não há outra alternativa! Qual é sua posição?Seja sincero! Examine-se a si mesmo! Certifique-se quanto à sua posição nestahora, com o auxilio do Espírito Santo, que está aqui para nos ajudar. Seudestino eterno pode depender disso.
Gostaria de ajudar a todos, indicandoalguns dos meios pelos quais os homens mostram claramente que seu desejo é queCristo Se retire — que eles realmente querem se livrar dEle. As promessas deCristo durante Sua vida e ministério terreno provam conclusivamente que Ele estáaqui conosco hoje, neste prédio — como sempre está presente em tais ocasiões.Mais do que isso — com que freqüência elas tem sido comprovadas na históriasubsequente da Igreja cristã! Não preciso me prolongar nisso — todos estamosconscientes desse fato. Sua presença também em ocasiões de doença, afliçãoe provações, todos temos que reconhecer. Ninguém pode sustentar, por ummomento sequer, a declaração de que nunca teve a oportunidade de aceitá-lO ourejeitá-lO. Não podemos vê-lO com os olhos da carne, como aquelas pessoas hádois mil anos atrás; mas “ainda que invisível, Ele está semprepresente”. Ele nos apresenta Suas propostas, uma a uma. O convite é para”quem quiser”. Oh, sim! Todos já sentimos a Sua presença! Mas quefizemos com Ele? Receio que muitos tenham feito o possível para se livraremdEle, como as pessoas deste texto, rogando que Ele Se retirasse. Como fizeramisso? Aqui estão algumas das formas.
Talvez tenham deliberadamente se retraído,apagando o Espírito, durante um culto ou uma reunião. Um certo domingo, talvezsentados numa igreja, ouvindo o sermão, ou talvez em algum outro ponto doculto, eles se sentiram perturbados e comovidos. Algo os estava guiando etocando. Sentiram “uma presença” e sabiam que Deus estava tratandocom eles. Compreenderam que estavam sendosensibilizados e enternecidos, que estavam ao ponto de perder o controle sobresi mesmos e fazer uma entrega. Já sentiam uma sensação parcial de liberdade eregozijo, mas, temendo que acabariam fazendo um escândalo ou se tornandoobjetos de zombaria, deliberadamente resistiram e tentaram se livrar daquelainfluência. E foram bem sucedidos. Em quê? Em afastarem Cristo!
Ou talvez sua experiência não tenhachegado a esse ponto, mas tiveram uma experiência, e souberam que Deus estavatratando com eles. Todavia, em vez de ansiarem e esperarem pelo próximodomingo, para correrem à casa de Deus, eles deliberadamente se mantiveramlonge, ficando em casa. “Ah! disseram, “se eu voltar lá, certamenteme converterei.” E permaneceram longe. Por quê? Porque não queriam serconvertidos. Em outras palavras, fizeram o possível para se livrarem de Cristo.
Outro modo de fazer a mesma coisa éignorar a voz da consciência e continuar deliberadamente fazendo as coisascontra as quais a voz de Deus em seu espírito os está advertindo. Pode ser umtipo de entretenimento ou prazer, ou pode ser um livro que tem o propósitoespecífico de tentar ridicularizar a Bíblia e abalar a sua influência; oupode ser feito através de sua contínua associação com pessoas cuja influênciavocê sabe ser prejudicial e maléfica. Qualquer que seja a forma pela qualestamos desobedecendo a voz da nossa consciência, estamos simplesmente tentandonos livrar de Cristo.
Outra forma preferida é a de nosocuparmos de tal maneira com outras coisas que não temos tempo para meditaçãoou reflexão. Tentamos excluir Cristo da nossa vida, ocupando-a com outrascoisas — trabalho, negócios, família, amigos — qualquer coisa excetoCristo. Mas não preciso entrar em detalhes. Todos estamos familiarizados comisso. Os pobres gadarenos o fizeram com Cristo nos dias da Sua humilhação. Nóso fazemos com Cristo em Sua exaltação! Eles rogaram que Jesus de Nazaré Seretirasse; nós excluímos da nossa vida o Senhor da glória! O que pode serresponsável por tal loucura? Considerando o que foi responsável por isso nocaso deles, descobriremos as causas de nosso próprio caso. E depois de tratardisso, passaremos à tarefa mais agradável de mostrar o que, exatamente, levouesse endemoninhado que havia sido liberto a querer ir com Jesus.
Qual era o problema desses gadarenos?
A primeira coisa que é revelada commuita clareza nos relatos deste incidente é que eles estavam possuídos de um espíritode temor. Parece que esse milagre os alarmou, quase ao ponto do terror. Efoi por causa desse alarme e temor que eles rogaram que Cristo Se retirasse.Quais são as causas desse temor? Quais são os elementos que, combinados,produzem esse estado de ansiedade na presença de Cristo? Vamos examinar algunsdeles.
Não há dúvida que parte desse temorfoi devido ao milagre em si, e aos extraordinários resultados que ele provocou.Não devemos ser muito críticos com esses gadarenos. Há um elemento na próprianatureza de eventos miraculosos que inspira assombro e temor. No final do capítuloanterior lemos um relato do milagre que Jesus realizou no mar, acalmando atempestade. E lemos que os discípulos “sentiram grande temor”. Naverdade, essa foi a sua reação mais comum e freqüente a todas as expressõesde poder miraculoso da parte do Senhor Jesus. Vemos isso novamente no Monte daTransfiguração. Os discípulos “tiveram grande medo”. E todos nós,até certo ponto, experimentamos isso. Acaso não há um elemento de assombro etemor no nascimento e especialmente na morte? Os corações mais destemidostremem na presença da morte. Aqui está um mistério — um senso de poder quenão podemos compreender ou captar. E esses gadarenos sentiram isso a respeitode Cristo e do milagre que Ele tinha acabado de realizar. De certo modo era otemor do eterno e do onipotente — o temor do poder de Cristo. Éessencialmente supersticioso; todavia, há nele um elemento que pertence àverdadeira religião. Mas estou me referindo a isso hoje porque sei que àsvezes pode ser um fator muito importante na questão de conversão. Deus estátratando com um homem; o processo está em andamento. Mas ele hesita por causadessa sensação de temor. Não sabe exatamente o que é, mas há uma vaga sensaçãode temor do infinito e do desconhecido. E o diabo está consciente disso, e oencoraja, e tenta persuadir a sua vítima inocente de que esse poder éprejudicial, que ele está perdendo o controle da sua vida, e pode vir a perdero juízo, a perder a razão. Então ele aconselha o convertido em potencial aesperar e a resistir, e a não se submeter dessa forma a um outro poder. E, empuro terror e medo, sem saber ou entender exatamente o que estão fazendo,muitos resistem. É uma experiência nova, e não conseguem entendê-la muitobem. O que tenho a dizer a respeito? Apenas isto: não prestem atenção aodiabo! O poder, ainda que seja grande, eterno e além da nossa compreensão, énão obstante o poder de Deus, a manifestação do amor eterno. Poderinescrutável! Sim! Mas o poder que acalma a tempestade, e restaura ordem aocaos. Éonipotente. Mas também é bom. Não permitam que o poder os amedronte. É opoder de Deus!
Mas isso, por si só, não explica otemor desses gadarenos. Não há dúvida de que o que mais os amedrontou foi seupróprio senso de culpa. E a presença de Jesus Cristo sempre produz isso!Lembram-se do que Pedro sentiu quando inicialmente reconheceu o Senhor?”Senhor, ausenta-te de mim, que sou um homem pecador” (Lucas 5:8). Nocaso de Pedro, era um sentimento nobre de indignidade, além da sensação deculpa, mas o ponto principal, contudo, é o mesmo. A beleza sempre realça a feiúra,perfeição imaculada sempre desmascara a falsidade; nada revela com maisclareza o nosso vazio e nosso infortúnio do que as vidas dos santos e acima detudo a vida do nosso bendito Senhor. Parados na presença dessa Pessoaimpressionante, que acabou de realizar um feito tão assombroso, observando Suamansidão e Sua calma, Suas maneiras sem afetação e Sua serena confiança,captando talvez um vislumbre de algo sobre-humano em Seus olhos, eles sentiramque eram vis e desprezíveis. Parecia que Ele estava abrindo os recessos dosseus corações, e lendo-os como um livro aberto. Assim como tinha expulso osdemônios daquele homem, mandando-os para os porcos, assim Ele parecia capaz dever através deles e perscrutar seus pensamentos mais íntimos. O que Ele nãoseria capaz de fazer? Eles se sentiram definhar em Sua presença. Se Ele não Seretiras-se logo, talvez eles fossem desmascarados na presença de todo mundo,tendo seus pecados revelados. E eles estavam com medo disso. Medo de si mesmos,medo de sua própria culpa, e medo do juízo que estava por vir! Era intolerável,por isso eles imploraram que Cristo Se retirasse. Ele os convenceu dos seuspecados e fez com que se vissem a si mesmos como realmente eram.
Homens e mulheres, hoje em dia, aindaestão tentando se livrar de Cristo, através dos vários métodos quemencionamos, por esta mesma razão. Ouvindo um sermão, começam a perceber queo evangelho está certo, e que eles estão errados. Seus pecados lhes sãorevelados, um a um. Sentem-se envergonhados e horrorizados. E ao ouvirem que hásomente um destino para uma vida assim, sentem-se tomados de pânico e terror.Sabem que o evangelho está certo, e têm um vislumbre de sua própria condiçãosem esperança. Por isso não é de surpreender que se sintam apavorados eaterrorizados. De certa forma também não é de surpreender que imitem essesgadarenos, e tentem se livrar de Cristo. Estar sob convicção não só é muitoincômodo, mas é alarmante e até mesmo aterrador. As pessoas se sentem desprezíveise miseráveis. E os seres humanos têm a tendência de evitar algo que é tãoperturbador. “Fiquem longe da igreja, parem de ler a Bíblia e de cantarhinos. Parem de fazer todas essas coisas que tendem a lembrá-los de suapecaminosidade e da retribuição que está por vir.” É o que uma vozsussurra dentro de nós. “Fiquem longe disso tudo!” Não gostamos denada que nos faça infelizes ou miseráveis, e a princípio esse é exatamente oefeito produzido pela presença de Cristo. Ele nos desmascara e esquadrinha onosso interior até as maiores profundezas. Sim! A convicção de pecado é algodesagradável e alarmante, e a natureza humana faz o possível para escapar delae evitá-la e se livrar dela. Mas, oh, que erro, que tragédia! Se tão somentecompreendêssemos que Cristo faz isso para o nosso bem! Se compreendêssemos queeste é o primeiro estágio essencial no processo de endireitar a nossa vida! Secompreendêssemos que é o prelúdio da conversão — que Aquele que nos dá aconsciência de culpa também pode removê-la, se apenas permitirmos que Ele ofaça. Em vez de fugirem ou se manterem longe porque a convicção é muitodolorosa, agradeçam a Deus por ela e peçam que Ele complete a obra!
Mas devo chamar sua atenção para ooutro elemento deste temor. Era, tenho certeza, um sentimento de que Aquele quefizera tudo aquilo pelo endemoninhado, e que tinha feito aquilo aos porcos, nãosó tinha poder suficiente para fazer o mesmo a eles, mas provavelmenteinsistiria em usar esse poder! Ele parecia ser capaz de fazer qualquer coisa, eninguém poderia impedi-lO. Há os que sugerem que foi a perda dos porcos quecausou aquele sentimento. Talvez tenha sido assim, em parte, mas uma perda maiorestava envolvida. Ele mudaria suas vidas completamente. Ele os controlaria egovernaria. E isso significaria um fim a tudo o que eles gostavam e em que sedeleitavam. Teriam que renunciar a todos os seus pecados. Seria o fim de todosos seus prazeres, e eles perderiam a sua “liberdade” — seriam Seusescravos! Era uma derradeira e desesperada luta por sua “liberdade”. Nãoexperimentamos, todos nós, esse sentimento, uma vez ou outra? Esse medo, esseterror? Visualizamos a transformação que ocorreria em nossa vida — renúnciaa certas coisas para sempre; uma revolução total em nosso estilo de vida;separação de velhos amigos; tudo de que gostamos sendo removido, para sersubstituído por muitas coisas de que não gostamos. Ah, provavelmente hámuitas pessoas aqui, hoje, que estão preparadas para aceitar o evangelho deforma geral, mas que se retraem e resistem quando percebem que ele significa eenvolve certas coisas. Entrega absoluta a Cristo! Aí está — estão quase aoponto de se decidirem. Mas dizer “adeus” a certas coisas para sempre!Não! Não podem fazê-lo. Sim! Seguir a Cristo pode significar perdasfinanceiras, perda do emprego, amigos e muitas outras coisas, pelo menos por umtempo. Os gadarenos viram isso e ficaram alarmados. Mas eles apenas viram metadedo evangelho!
Essa é a explicação da loucura dessesgadarenos. Estavam cegos ao fato de que Cristo podia fazer por eles o que játinha feito por esse endemoninhado. Eles viram apenas a primeira obra, aprimeira metade do evangelho. E antes que o Senhor Jesus tivesse a oportunidadede lhes mostrar a outra metade, eles pediram que Se retirasse. Como muitos hojeem dia, eles compreenderam que havia um poder no evangelho, mas nãocompreenderam que era “o poder de Deus para a salvação”. Issoexplica porque essas pessoas pediram a Cristo que Se retirasse — e porquemuitos, hoje, tentam se livrar dEle.
Mas vamos examinar o outro quadro, etentar descobrir o que exatamente motivou esse homem que havia sido curado adesejar seguir o Senhor. O que explica o contraste? E é um contrastemarcante! Existem pessoas hoje em dia que, imaginando serem muito inteligentes,acham que esse desejo é sempre um sinal de loucura e de fanatismo religioso.Mas isso, obviamente, está errado, porque esse homem tinha acabado de recuperaro juízo! Enquanto estava louco, ele odiou a Jesus e quis se livrar dEle; foisomente após o milagre que ele desejou estar com o Senhor. Ah, é sempre aloucura que rejeita a Cristo. Por que esse homem roga, pedindo permissão paraacompanhar Jesus? Por que está pronto a abandonar tudo para segui-lo? E por queé este, sempre, o verdadeiro teste, o grande indicador de uma sólida obra dagraça no coração humano? As razões são óbvias e evidentes, mas são tãogloriosas que não posso abrir mão do privilégio de apresentá-las outra vez.
A primeira coisa era, obviamente, seusenso de gratidão a Cristo, e seu desejo e anseio de expressá-lo. O quepoderia ser mais natural? Leiam novamente a descrição que nos é dada da vidadeste homem antes que ele conhecesse a Cristo. Um endemoninhado selvagem eperigoso; vivendo entre os túmulos; mutilando-se e lacerando a sua carne; semdescanso e sem paz; rejeitado, temido e odiado por todos, e, na verdade, temendoa si mesmo. Sua miséria devia ser imensa e terrível! Esforços tinham sidofeitos no sentido de controlá-lo, restaurá-lo e curá-lo (versículos 3, 4).Cadeias e correntes, os esforços da família e de amigos, tudo tinha sidotentado, vez após vez, sem qualquer sucesso. O homem não conseguia encontrarpaz — e nem a conseguiam todos que estavam ao seu redor. Mas aqui vem Jesus deNazaré, e, em apenas alguns minutos, realiza aquilo que ninguém mais tinhaconseguido, e o homem se acha “assentado, vestido e em perfeito juízo”.Preciso dizer mais? Cristo fez por ele o que ninguém, nem os seus familiares eamigos mais chegados, conseguiu fazer. Oh, bendita libertação! Oh, afelicidade, o regozijo! “Que posso dar a Ti?” “Que possofazer?” Nada é demais para um tão grande benfeitor. Ele merece tudo,merece todo o nosso ser. Vocês se lembram daquele outro louco que tinha partidoa caminho de Damasco, “respirando ameaças e morte” subitamente,clamando com o coração cheio de gratidão e louvor, depois de ter visto aJesus por apenas alguns momentos — “Senhor, que queres que eu faça?”Ele O tinha odiado e insultado, mas quando Paulo O viu e compreendeu quem Eleera e o que tinha feito por ele e pelo mundo todo, ele de fato clamou: “Oh,Senhor, que posso fazer por Ti? Torna-me Teu escravo. Não importa quão humildeseja a tarefa, desde que eu esteja perto de Ti.” E assim tem sido sempre.Ninguém jamais veio a compreender o que Cristo fez sem amá-lO e adorá-lO esentir o anseio constante de estar perto dEle. Que posso sentir além de gratidãoe amor por Ele e Seu evangelho? Ele comprou minha liberdade, removeu dos meusombros o fardo do meu passado pecaminoso, removeu a terrível sensação deculpa, tirou para sempre o temor da morte e da sepultura, e assegurou-me que souaceito por Deus. Como posso me cansar de ouvir a respeito dEle? Como posso mecansar de tal Pessoa? Pode haver sensação mais maravilhosa e mais gloriosa doque sentir a proximidade da Sua presença? Ansioso por me livrar dEle? Pelocontrário, minha única preocupação e tristeza é que minha infidelidade Oafasta. Posso ter medo dEle, e odiá-lO, e querer me livra dEle? Não!
Odeioos pecados que Te causaram pesar,
E Teafastaram do meu coração.
E agora euoro:
Mais deTi, oh, concede-me, cada momento.
Vocês já se sentiram assim?Permitam-me lembrar que Ele morreu por vocês, entregou Sua vida por vocês, e,se crerem nisso, Ele fará por vocês o que fez pelos santos através dos séculos.Aquilo que nem conhecimento, nem cultura, nem negócios, nem prazeres, nem famíliaou amigos conseguiram fazer, Cristo fará hoje se vocês permitirem.Entreguem-se a Ele! Permitam que Ele o faça! Então vocês entenderão o desejodaquele gadareno de estar com Jesus.
Mas isso não era tudo. Aquele homemqueria que sua condição abençoado continuasse e fosse permanente. Tudo era tãomaravilhoso, tão glorioso! E aqui neste ponto havia um elemento de temor. Aquiestava esse maravilhoso Jesus, que acabara de realizar esse milagre, trazendotanta felicidade à sua vida, e agora Ele ia partir! Somente Cristo tinha sidocapaz de curá-lo e conquistar os demônios. Ele mesmo tinha falhado, e assimtambém todos os outros — somente Cristo tinha conseguido libertá-lo. E agoraEle ia Se retirar! “Ah”, ele roga a Cristo, “deixa que eu vácontigo Tenho medo de confiar em mim mesmo, em minha capacidade. Temo que essesdemônios voltem e me escravizem outra vez. Não posso depender de mim mesmo, eeu os temo. Sei que estou bem agora — mas, e amanhã Oh, deixa-me ircontigo!” Todo crente sabe exatamente o que isso significa. Um homem nãoé um cristão até que tenha consciência de sua fraqueza e da força doinimigo. O cristão não confia em si mesmo, não depende de sua própria força.É a consciência da sua própria fraqueza e da força do inimigo que o leva aCristo continuamente. É por isso que eu subo ao púlpito domingo após domingo,convidando-os a vir a Cristo, entregando suas vidas a Ele. A batalha contra odiabo é desigual. Homens maiores do que nós foram conquistados. Vocês caem,dia após dia, hora após hora. Que esperança podemos ter de conquistar”principados e potestades… os príncipes das trevas deste século… ashostes espirituais da maldade, nos lugares celestiais?” (Efésios 6:12) Nãoé possível. Compreendam que a derrota é certa. Confessem suas falhas. Reconheçamseu pecado. Sim, o poder do inimigo e nossa própria fraqueza são sempre boasrazões para permanecermos com Cristo.
Mas não devo terminar desta formanegativa. O homem queria estar com Cristo, não só porque estava consciente desua própria fraqueza e do poder do inimigo, mas também porque compreendeu queo poder de Cristo, que o libertara, também podia mantê-lo livre. E se os demôniosretornassem? Com Cristo ele estaria seguro, pois Cristo já os tinha subjugado econquistado. O que quer que acontecesse, com Cristo ele estaria sempre seguro,pois Ele é poderoso, não só para salvar, mas também para guardar até o fim.Sim! Esse homem queria ir com Cristo para que Ele o mantivesse livre eseguro.
Mas ele cometeu um engano: pensou que apresença física de Cristo era essencial. Nosso Senhor, ao enviá-lo para casa,para a sua família, provou que não era. “Um novo convertido, enviado devolta as suas velhas guaridas, sozinho?” Sim, e estaria seguro! Era Cristoque o estava enviando. E quando Cristo envia, Ele acompanha! Foi assim nos diasda Sua encarnação, e é ainda mais seguro hoje em dia, desde que Ele enviou oEspírito Santo. Confiem nEle! Obedeçam-nO! Façam tudo que Ele disser! Eleestará com vocês, e nunca os deixará, nem os desamparará. Vocês ainda serãotentados e provados, intensamente às vezes, mas, como todos os santos, poderãodizer:
Atentação perde o seu poder
QuandoTu está comigo.
Vocês podem cair, mas nunca ficarãoprostrados (Salmo 37:24). Haverá provações e tribulações, mas Ele prometeuque seríamos “mais que vencedores”. Creiam nEle hoje, e entreguem-sea Ele. Por amor do Seu nome. Amém
Aberavon, 28 de fevereiro de 1932.
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O livro de D.M. Lloyd-Jones do qual este texto foi extraído, “Sermões Evangelísticos”, pode ser encomendado da Editora Cultura Cristã selecionando a capa do livro ao lado: