É verdade que a Bíblia foi mudada com o passar do tempo?

de Álvaro César Pestana

[Este texto foi extraido do livro “Sempre Me Perguntam

Copyright © 2003 Editora Vida Cristã. Reproduzido com a devida autorização.]

 

 

– É verdade que a Bíblia foi mudada com o passar do tempo?

 

Resposta: Não. A Bíblia é o livro mais bem preservado de todos os livros da antigüidade. Embora a preservação da Bíblia seja um trabalho entregue aos homens, não podemos deixar de ver a mão de Deus atuando por sua providência, fazendo com que tenhamos em mãos a autêntica Palavra de Deus.

A Bíblia é inspirada por Deus (2 Tm 3.16-17). Por ser um livro inspirado por Deus, acerta sempre e tem sua veracidade comprovada em várias áreas do conhecimento humano. Embora a nossa declaração de que a Bíblia é vinda de Deus seja uma declaração de fé, as evidências bíblicas só podem ser explicadas pela inspiração divina. Como explicar as profecias? As verdades científicas previstas ou pressupostas na Bíblia? Como imaginar uma origem melhor para o universo do que a origem proposta na Bíblia?

A Bíblia foi bem conservada. Os críticos sempre caluniam a Bíblia dizendo que foi alterada no decorrer dos séculos. Esta acusação baseia-se em ignorância. A conservação da Bíblia, desde sua formação, esteve a cargo dos sacerdotes judaicos, e, depois, das igrejas cristãs espalhadas pelo mundo. Há dezenas de milhares de manuscritos bíblicos de comprovada antigüidade que mostram que a Bíblia é o livro mais bem conservado que veio da antigüidade até os nossos dias. Nela se cumprem as palavras de Jesus que disse que as suas palavras não passariam (Mc 13.31) e que a Escritura não falha (Jo 10.35).

A Bíblia está completa. Jesus aceitou a Bíblia Hebraica, dividida em três partes (Lc 24.44) que corresponde aos nossos 39 livros do Velho Testamento. Depois ele autorizou seus apóstolos a relatarem a verdade que o Espírito iria lhes transmitir (Jo 14.26; 16.12-13) que acabou produzindo os nossos 27 livros do Novo Testamento. Assim, nada falta em nossa Bíblia. Os chamados livros perdidos ou livros apócrifos, nunca fizeram parte da Bíblia Hebraica aprovada por Jesus e os que foram supostamente “impedidos” de entrar no Novo Testamento, na verdade, não foram escritos por apóstolos de Jesus. Portanto, nossos 66 livros bíblicos são tudo que devia constar na Bíblia, conforme Deus mandou seu Filho anunciar. As lendas de livros perdidos ou de outros evangelhos são sempre ligadas a falsificações ou heresias que se tentou produzir muito mais tarde, depois da morte dos apóstolos.

A Bíblia está bem traduzida. Jesus mandou seus discípulos pregarem a todas as nações, e portanto, eles teriam que traduzir a Bíblia nas línguas destas nações (Mt 28.18-20). De fato, a Bíblia é o livro mais traduzido do mundo. No Brasil, há traduções excelentes e, exceto no caso da tradução dos chamados “Testemunhas de Jeová”, as traduções da Bíblia são boas. A melhor versão para o estudo é Almeida, Revista e Atualizada, 2ª edição. A Nova Versão Internacional, NVI, também vem conquistando espaço como Bíblia para estudo, mas há muitas outras boas versões. Ninguém pode alegar que não dá para entender ou confiar nas traduções: em qualquer Bíblia dá para aprender o evangelho.

Provavelmente, você já ouviu frases como estas: “A Bíblia foi mudada com o passar dos séculos”; “Os papas e os sacerdotes de Roma mudaram toda a Bíblia. Os originais estão escondidos no Vaticano”; “Vários livros foram retirados da Bíblia”; “O problema com a Bíblia é que há muitas traduções”; “Há muitas Bíblias diferentes”.

Por trás de todas elas, há um só temor: que a mensagem de Deus, entregue no passado aos homens, tenha sido desfigurada e corrompida como tudo o que passa pela mão da humanidade. Há também a desconfiança do homem e da mulher comum, acostumados a ver manipulação da informação em muitas ocasiões, e imaginando que o mesmo poderia ter sido realizado com a Bíblia.

É verdade que a Bíblia foi mudada com o passar do tempo? A resposta é um retumbante e seguro “não”. A Bíblia é o livro mais bem preservado de todos os livros da antigüidade. Embora sua preservação tenha sido e ainda seja um trabalho humano, não podemos deixar de ver a mão de Deus guiando e cuidando de todo o processo, atuando por sua divina providência, fazendo com que cada geração cristã tenha, em mãos, a autêntica Palavra de Deus.

Quando alguém nos fala da Bíblia como tendo sido alterada, é importante perguntar em primeiro lugar, qual mudança o questionador tem em mente. Na minha experiência pessoal, quando me defronto com pessoas que têm esta dúvida e pergunto: “Qual mudança ou alteração você tem em mente?”, normalmente, a pessoa não pode citar nenhum caso específico. Fala de boatos contra o Vaticano ou contra os imperadores romanos. Alguns falam de “livros proibidos” ou de “livros retirados ou perdidos” da Bíblia. Mesmo nestes casos, todas as referências são vagas e incertas. Pouquíssimos tem algo concreto a perguntar.

Depois de perguntar, podemos responder conforme o nível de conhecimento e informação do inquiridor. Sempre devemos tratar com respeito a pessoa e sua pergunta, mas devemos tomar o cuidado de mostrar, acima de tudo, que geralmente estas questões contra a Bíblia são fruto da falta de conhecimento e familiaridade com a Escritura. Quem conhece e estuda a Bíblia adquire respeito e admiração por ela. Quem não a conhece ou só tem conhecimento dela de segunda mão, muitas vezes por meio da imprensa sensacionalista, acaba desconfiando dela ou julgando que está corrompida, como os próprios meios de comunicação que lhe passaram informações falsas.

Observaremos que a Bíblia afirma ser um livro inspirado por Deus e que foi bem conservado, desde sua formação até hoje.

 

A BÍBLIA É INSPIRADA POR DEUS

A Bíblia afirma ser inspirada por Deus. Isto pode não significar muito para quem não acredita nela, mas é uma afirmação importante, pois há poucos livros no mundo que afirmam ser inspirados por Deus. De fato, a maioria dos livros assume ser simples obra humana. O fato da Bíblia afirmar ser inspirada já a coloca numa categoria destacada perante outros livros. Logicamente, sua afirmação precisa ser verificada de alguma forma, assim como também examinamos todos os livros que se dizem divinos.

A declaração de inspiração, contudo, é explícita em muitos textos: 2 Timóteo 3.16-17 e 2 Pedro 1.20-21.

2 Timóteo 3.16-17

“Toda a Escritura é inspirada por Deus e útil para o ensino, para a repreensão, para a correção, para a educação na justiça, 17 a fim de que o homem de Deus seja perfeito e perfeitamente habilitado para toda boa obra.”

2 Pedro 1.20-21

“sabendo, primeiramente, isto: que nenhuma profecia da Escritura provém de particular elucidação; 21 porque nunca jamais qualquer profecia foi dada por vontade humana; entretanto, homens santos falaram da parte de Deus, movidos pelo Espírito Santo.”

Estas afirmações de sua inspiração divina querem dizer que Deus estava por trás dos autores humanos, durante a redação dos livros individuais que compõem a Bíblia. A expressão chave de 2 Timóteo 3.16 é a frase “Toda Escritura é inspirada por Deus” é explicada por 2 Pedro 1.21 que diz que os autores humanos que escreveram a Bíblia, fizeram isto sob a influência e controle do Espírito Santo, de forma que o que eles falaram não era deles, mas de Deus.

Tal declaração bíblica elimina todo tipo de mal entendido sobre o significado da chamada “Inspiração da Bíblia”. O texto mostra que os homens falaram da parte de Deus, mas ainda como homens, ou seja, não era um processo de simples ditado ou de “psicografia”. O Espírito Santo, agindo nestes profetas, fez com que falassem a vontade de Deus usando as palavras e o estilo do próprio autor. O resultado é divino em verdade e origem, mas humano em formato.

A aceitação da Bíblia como livro inspirado por Deus é um ato e decisão de fé: isto quer dizer que não se aceita este ensino sem confiar em Deus. Contudo, a Escritura não apela para a irracionalidade ou superstição. As Sagradas Escrituras mostram as evidências de ser um livro inspirado por Deus. Quando estudamos a Bíblia à luz de certos ramos verdadeiros do conhecimento humano, percebemos, facilmente, a inspiração divina da Bíblia.

Se a Bíblia fosse um livro, “cheio de erros”, como dizem alguns, a afirmação de ser um livro inspirado por Deus estaria comprometida, pois, se um livro erra a todo instante, é obra humana e de pouco valor. Contudo, o que se observa é que a Bíblia é um livro “cheio de acertos” em todas as áreas do conhecimento humano: história, geografia, ciências biológicas, psicologia, etc. Embora a Bíblia não seja livro texto destas matérias, sua afirmações em cada uma destas áreas, sempre pode ser verificada como correta.

As profecias bíblicas, contudo, são uma das provas mais importantes a favor de sua inspiração. Só um livro escrito sob a direção de Deus, poderia prever detalhes da história e, sobretudo, da carreira de Jesus na terra, com tanta precisão e antecedência.

Estas “provas” da inspiração da Bíblia podem ser encontradas em muitos livros sobre a fé cristã[1]. O próximo capítulo deste livro trata um pouco desta questão. No momento, contudo, basta afirmar e lembrar que a Bíblia é inspirada por Deus e, portanto, precisaria chegar a nós bem conservada para que pudesse ser útil. E foi exatamente isto que aconteceu.

 

A BÍBLIA FOI BEM CONSERVADA

Ocasionalmente os boatos sobre supostos erros da Bíblia baseiam-se no desconhecimento sobre como a Bíblia foi formada e como foi transmitida até hoje. Imagina-se que o processo de formação e transmissão da Bíblia desde a antigüidade até hoje, tenha sido um processo obscuro, cheio de falsificações e de interferências humanas.

A verdade é que a Bíblia atravessou os séculos, desde sua origem até hoje, em um processo que pode ser acompanhado pela análise da própria Escritura. A Bíblia foi redigida durante aproximadamente 1500 anos, desde o primeiro escritor, Moisés em 1440 a. C., até o último, o apóstolo João, que morreu pouco antes do ano 100 A.D. Depois disto, ela foi transmitida até nossos dias.

Embora a Bíblia seja inspirada por Deus (2 Pe 1.20-21; 2 Tm 3.16-17; Ap 1.1-3), a participação do homem na recepção da revelação assumiu várias formas: ocasionalmente, o escritor bíblico recebeu um “ditado” divino para escrever (Lv 26.46); outras vezes o escritor teve que estudar antes de escrever (Dn 9.2; Lc 1.1-4); eles se utilizavam de outros livros inspirados ou não (Nm 21.14; Js 10.13; 2 Sm 1.18; 1 Cr 29.29; etc); ocasionalmente descreviam visões, sonhos ou aparições que testemunharam (Is 6, Jr 24; Dn 7-12; Ap 1-22); vários autores puderam escrever seu testemunho pessoal, pois foram testemunhas oculares dos eventos que relatam (Josué 24.26. João 19.35; 21.24; 1 Jo 1.1-4; 2 Pe 1.16-18); também citaram documentos antigos, que tinham à sua disposição (Daniel 4; 2 Crônicas 36.23; Esdras 1.2-4; 7.11-26; etc); compuseram, como artistas, poesia e outras manifestações da sabedoria (Salmos, Provérbios, etc).

A história da formação do Velho Testamento começa com Moisés, que recebeu a revelação divina em várias formas e depois transcreveu-a em livros. Ele redigiu-os usando livros, tradição oral, oráculos recebidos diretamente de Deus além do fato de que participou de toda a história narrada entre Êxodo e Deuteronômio. Ele recebeu ordens expressas de escrever (Êxodo 17.14; 24.4, 7; 34.27-28). Relatou os acontecimentos da época (Nm 33.2). No fim de sua vida, com os cinco primeiros livros praticamente terminados, já tinha perfeita percepção de que estes livros tornar-se-iam normativos para o povo: seriam “o Livro da Lei”, os cinco primeiros livros[2] (Dt 28.58,61; 29.20-29; 30.10; 31.9-13, 19, 22, 24-26).

Embora a obra que temos hoje seja completa e acabada, pode-se notar, aqui e ali, possíveis unidades menores que foram incorporadas, pelo próprio Moisés na sua obra. Uma unidade que foi obviamente revelada antes de sua incorporação foram “Os Dez Mandamentos” (Êxodo 20.1-1-17; Deuteronômio 5.1-21). Alguns conseguem ver em Êxodo 21-23 uma primeira unidade de material escrito, chamada ocasionalmente de “Livro da Aliança” (Êxodo 21.7) e que teria sido um dos primeiros agrupamentos de leis, dadas a Moisés e usadas num dos primeiros rituais da aliança. Por outro lado, não era a primeira coisa que Moisés já tinha escrito (Êx 17.14). Há também versos que mostram que uma composição recebeu, do próprio Moisés, uma adição. Levítico 26.46 tem uma frase conclusiva que é repetida em Levítico 27.34. Estas repetições podem indicar a suplementação do relato anterior com o novo material.

Devemos lembrar que Moisés viveu com o povo de Israel por quarenta anos no deserto, e teria não somente tempo mas conhecimento e condições para escrever.

Durante a época de Moisés e depois dele, outros profetas continuaram sua obra oral e escrita (Êx 15.20; Nm 12.6; Dt 18.15-22; 34.10; Jz 4.4; 6.8). Os sacerdotes e levitas foram encarregados de guardar, colecionar e copiar os livros do Velho Testamento. O tabernáculo e depois, o templo, eram o centro de reunião dos materiais inspirados (Dt 17.18-20; 31.9-13,24-29).

Os livros estavam disponíveis aos líderes da nação e do sacerdócio. Caso eles fossem também profetas, como era o caso de Josué, eles também acabariam por escrever algo ou até uma obra inteira que seria incorporada à coleção de livros sagrados (Josué 1.8; 24.26; 25.21). O período da conquista da terra de Canaã e também dos Juízes, evidencia a presença dos livros pela prática dos seus ensinos: a aliança foi lembrada (Juízes 2.1-5) e alguns rituais foram praticados (Juízes 13.2-7,13-14).

Samuel, como “primeiro profeta”, tratou de dar impulso à historiografia profética (1 Samuel 10.25; 1 Crônicas 29.29). Os profetas foram os historiadores de Israel: eles narravam os acontecimentos, privilegiando os assuntos que interessavam ao desenvolvimento dos propósitos de Deus para o seu povo (2 Crônicas 9.29; 12.15; 13.22; 20.34; 26.22; 32.32; 33.18, 19)

No período dos reis e profetas, bastante material já estava centralizado no templo de Jerusalém (2 Crônicas 34.14-18; Jeremias 36). Os reis Davi, Salomão, Josias, Ezequias e os vários profetas são escritores ou divulgadores dos livros bíblicos. Os reis deviam sempre obedecer a lei (2 Reis 14.6). Os textos de alguns livros foram sendo compilados durante o período dos reis. A frase final do Salmo 72.20 mostra que houve uma época em que a coleção dos Salmos terminava ali. Depois ela foi ampliada. Da mesma forma Provérbios 25.1, mostram que o livro de Provérbios foi ampliado. Todas estas compilações a amplificações dos livros ocorrem dentro da inspiração divina, através do Espírito Santo.

Os profetas pregaram e escreveram suas obras (Is 30.8; Jr 25.13; 29.1; 30.2, 36.1-32; 51.60-64; Ez 43.11; Hc 2.2; Dn 7.1; 2 Cr 21.12). Eles sabiam que estavam deixando suas obras para o futuro e até enviaram-nas para outros lugares (Jr 29.1; 36.1-8; 51.60-61; 2 Cr 21.12).  Liam, citavam e usavam as obras uns do outros (Is 2.1-5 e Mq 4.1-5; Jr 26.18 cita Mq 3.12), atestando a existência da coleção de livros inspirados (Dn 9.2). Entendiam que seus livros tornar-se-iam obra de referência e consulta no futuro (Is 34.16; Dn 12.4).

Este material inspirado foi levado ao exílio e à dispersão (Dn 9.2), quando os judeus foram deportados da Palestina. Talvez tenha sido trazido de volta por aqueles que iriam iniciar a religião dos samaritanos (2 Rs 17.24-41). Mas, o grande retorno da lei à Palestina ocorreu com Esdras, sacerdode e grande escriba (Ed 7; Ne 8-10). O oficio de Esdras como sacerdote e levita mostra que, no Velho Testamento, os sacerdotes eram os que centralizaram e preservaram o Velho Testamento. Os últimos profetas a escreverem Ageu, Zacarias e Malaquias tiveram suas obras reconhecidas e incorporadas no Velho Testamento, assim também, os últimos livros históricos tais como Crônicas, Esdras, Neemias e Ester.

Segue-se então o chamado período intertestamental ou interbíblico onde se costuma dizer que houve quatrocentos anos de silêncio profético, até João Batista. Não houve profetas e nem foram incluídos livros na coleção de livros sagrados. Muita coisa foi escrita neste período, mas nada inspirado por Deus.

Assim, quando chegamos a Jesus, no Novo Testamento, ele conhecia e aprovava a Bíblia Hebraica, ou a Bíblia dos Judeus, que era dividida em três partes: Lei, Profetas e Escritos (Lc 24.44) e que continha os 39 livros de nosso Velho Testamento. A ordem dos livros era outra, e começava em Gênesis e terminava em 2 Crônicas (Lucas 11.51).

Os apóstolos e a igreja antiga usavam a Bíblia Hebraica como suas Escrituras. Paulo reconheceu que uma das vantagens do povo judeu era o fato e terem sido receptáculos dos Oráculos de Deus (Rm 3.2). A Bíblia da igreja antiga era o Velho Testamento (1 Co 15.3-5), mas eles se utilizavam especialmente da versão grega, feita pelos próprios judeus, chamada de Septuaginta (Versão dos Setenta). Para eles, contudo, ler o Velho Testamento não era um exercício idêntico ao feito pelos judeus, pois, para o cristão, fim da lei é Cristo (Rm 10.4): a lei testemunhava de Cristo (Rm 1.2) e era compreendida a luz do evento Jesus, o Cristo, o Filho de Deus.

A formação do Novo Testamento começa com as próprias palavras de Jesus que, mesmo que preservadas oralmente, eram consideradas autoritativas para resolver questões, tais como: dúvidas sobre a volta de Cristo (1 Ts 4.13-18); questões ligadas a matrimônio e divórcio (1 Co 7.10); diretrizes para o sustento de obreiros (1 Co 9.14); o significado da ceia (1 Co 11.23-25); etc. De fato, a palavra de Jesus equivalia, em autoridade, ao Velho Testamento (1 Tm 5.18).

Ao contrário do que afirma a “erudição” imaginativa, a igreja distinguia claramente a palavra de Jesus da palavra dos apóstolos (1 Co 7.12) e não “criava” frases ou ditos, atribuindo-os a Jesus.

O que Jesus viveu, ensinou e fez tornou-se a base do Novo Testamento, mesmo antes dele começar a ser escrito. Sua morte, sepultamento e ressurreição são o centro e o núcleo de tudo que se escreverá (1 Co 15.3-5). Na redação do Novo Testamento, contudo, seu exemplo foi sempre invocado (Fp 2.5-11; 1 Pe 2.21-25; etc), o que aconteceu com ele foi narrado (At 2.22-24; 2 Pe 1.16-18; etc), suas ações e atitudes geraram conclusões nos escritores inspirados (Por exemplo: Mc 7.19b é um comentário de Marcos sobre a ação de Jesus). Enfim, a impressão sobre seus discípulos foi tão forte que ao lermos o Novo Testamento concluímos que “haviam eles estado com Jesus” (At 4.13).

Também a interpretação que Jesus deu ao Velho Testamento tornou-se a base para os escritores do Novo Testamento. Foi Jesus que abriu o entendimento dos apóstolos para entenderem a Bíblia Hebraica (Lc 24.44-45). Desta forma, as interpretações geniais das Escrituras que temos no Novo Testamento são, muitas vezes, de Jesus e mesmo que ele não as tenha feito expressamente, seu ministério e ensino prepararam o terreno de tal forma que aquelas idéias iriam brotar inevitavelmente. Assim, podemos entender que Paulo, o autor de Hebreus e todos os que se utilizaram ricamente das Escrituras Hebraicas, fizeram-no pela mediação de Jesus.

É conhecido que Jesus prometeu a vinda do Espírito aos apóstolos (Jo 14-16),  para que eles pudessem ser canais de sua revelação (1 Coríntios 3.10). Eles tornaram-se as colunas da igreja (Gálatas 2.2,9) e o ponto de referencia dela na doutrina (Atos 2.42). Embora os apóstolos distinguissem bem o que vinha de Jesus e o que vinha deles mesmos, sabiam ser autoritativos quando falavam (1 Coríntios 7.40; 14.37-38).

O Novo Testamento começou a ser escrito no tempo em que ainda circulavam tradições orais e escritas sobre Jesus (At 20.35; 1 Tm 5.18). Havia já uma forte tradição e pregação apostólica (2 Tessalonicenses 2.15; 1 Coríntios 11.2) e muitos materiais incorporados no Novo Testamento já poderiam ter sido usados de forma oral ou escrita antes de sua incorporação no relato Bíblico: a carta aos Hebreus parece uma pregação (13.22); ocasionalmente cita-se fórmulas que poderiam estar sendo usadas como arcaicas confissões de fé (1 Co 11.3; Fp 2.11; etc); pode-se detectar pedaços de hinos aqui e ali (Fp 2.6-11; 1 Tm 3.16; Ef 5.14); talvez, textos usados no ensino sobre o batismo estivessem na base de 1 Pedro; houve incorporação de relatos que explicavam a ceia (1 Co 11); usou-se, muitas vezes, as chamadas listas de pecados e virtudes (Rm 1.29-31, etc); há catálogos de comportamento ou listas de deveres, comuns no mundo antigo, mas adaptados para o uso cristão (1 Tm 3.1-13; Ef 5.22-6.9; etc); etc.

Teoriza-se, também, que houve uma ou várias coleções de palavras de Jesus[3]. Há também sugestão que os cristãos colecionavam séries de textos do Velho Testamento que auxiliavam na pregação[4].

A redação do Novo Testamento começa com as cartas de Paulo escritas entre os anos 48 e 66 A.D. As primeiras cartas de Paulo são aos Gálatas, aos Tessalonicenses, aos Coríntios e aos Romanos. As chamadas epístolas da prisão, escritas de Roma são: Filipenses, Efésios, Colossenses e Filemom. As últimas cartas de Paulo são as chamadas Epístolas Pastorais, escritas depois de sua libertação da prisão narrada em Atos 28: 1 Timóteo, Tito, 2 Timóteo e talvez Hebreus, se for de Paulo.

A carta de Tiago é difícil de datar, mas talvez seja antiga, podendo ter sido escrita entre 45-48 A.D., antes da maioria das cartas de Paulo. As cartas de Pedro e a de Judas parecem ter sido escritas depois da obra de Paulo já ter sido acabada na região da Ásia de forma que devem ter sido escritas no fim da vida deste apóstolo. Até o ano 66 A.D., provavelmente, todas as cartas do Novo Testamento já estavam escritas, menos as de João.

Os três primeiros evangelhos, chamados Evangelhos Sinóticos, foram escritos entre o ano 50 e 70. Provavelmente, antes da destruição de Jerusalém. Como se lerá adiante, há paleografistas que estão postulando datas bastante antigas para os Evangelhos, embora os descrentes tentem negar, inutilmente, a antigüidade de todos os relatos.

Há várias teorias sobre a origem dos Evangelhos Sinóticos. A mais aceita[5] é que Marcos escreveu primeiro, usando como base a pregação de Pedro. Ele teria sido utilizado por Mateus e Lucas na redação de seus respectivos evangelhos onde eles citam as histórias de Marcos, abreviando-as um pouco e adicionando materiais que não se encontram em Marcos. Os materiais adicionados igualmente por Mateus e Lucas têm sido considerados oriundos de uma fonte comum destes dois evangelhos, além do texto de Marcos. Alguns tem chamado esta fonte de “Q”, e assim, Marcos, a fonte “Q” seriam a explicação dos materiais que estão tanto em Mateus como em Lucas. Há, contudo, materiais exclusivos de Mateus e outros, exclusivos de Lucas. Assim, eles também teriam outras fontes de material para incorporar em seus livros.

Estas teorias de fontes são apenas teorias e não podem ser provadas. Fornecem, contudo, uma compreensão do trabalho de redação dos evangelhos inspirados por Deus e que está de acordo com o prólogo de Lucas (Lc 1.1-4).

Os escritos de João (literatura joanina) são os últimos a serem escritos nos anos 80 e 90 do primeiro século. Suas obras são: Evangelho Segundo João, 1,2 e 3 João e o Apocalipse.

Estes livros já começaram a circular na época em que foram redigidos. Eles eram lidos nas reuniões da igreja (1 Ts 5.27; Cl 4.16), que recebiam ordens de circular e divulgar o livro (Cl 4.16; Ap 1-3; 1 Pe 1.1-2). Formaram-se, então, as coleções de livros durante a vida dos apóstolos (2 Pe 3.14-16).

O reconhecimento destes livros pela igreja foi rápido e fácil[6]. Já no primeiro século, Clemente Romano, um dos bispos da igreja de Roma (aprox. 95 d.C.) menciona explicitamente 1 Coríntios, conhece Romanos, Hebreus, e o “ensino de Cristo”, talvez os evangelhos de Mateus e Lucas. Há momentos em que parece refletir 1 Timóteo, Tito, 1 Pedro e Efésios. Isto aconteceu enquanto João, o apóstolo, ainda estava vivo.

Na primeira metade do segundo século, aumenta o reconhecimento e a divulgação dos livros do Novo Testamento. O papiro de John Rylands, datado de cerca de 125 d.C., encontrado no Egito, mostra que o Evangelho de João, 35 anos depois de sua redação, já estava circulando dentro das igrejas primitivas. Esta circulação e reconhecimento dos livros nada tinha a ver com concílios ou sínodos. Era resultado do contato direto dos receptores dos livros com os autores inspirados, membros do círculo apostólico. Os autores cristãos deste período citam as Escrituras e distinguem muito bem a autoridade e a inspiração apostólicas dos seus escritos. Começam as citações dos textos bíblicos do Novo Testamento.[7]

Policarpo (aprox. 115 d.C.) está cheio de linguagem do Novo Testamento em seus escritos.[8] Inácio, bispo de Antioquia (morto entre 107-117 d.C.) cita os evangelhos (Filad 8.2), as cartas de Paulo (Efe 12.2) e os diferencia de seus escritos (Roman 4.3). Pápias (aprox. 130-140 d.C) em “Exposição dos Oráculos do Senhor”, conservado em fragmentos, cita Mateus e Marcos por nome. Um antigo manual chamado “Didaquê” (aprox. 120-150 d.C.) cita Mateus. Uma epístola ficticiosamente atribuída a Barnabé (100-130 d.C) cita Mateus 22.14 como Escritura usando a fórmula “está escrito” para o Novo Testamento[9]. A chamada Segunda Epístola de Clemente (135 d.C.) cita os evangelhos como Escrituras. A obra de Hermas, chamada “O Pastor” (145-150 d.C.) faz uso abundante do Novo Testamento. O Martírio de Policarpo (145-150) cita Lucas 6. Justino Mártir (morre aprox. 165 d.C.) cita as “Memórias dos Apóstolos” ou “Os Escritos dos Profetas” como lidas nos cultos cristãos[10]. Deu testemunho sobre o Apocalipse, e sobre os Evangelhos.

Márcion ou Marcião foi um herege gnóstico (150) que, entre outras coisas, fez uma lista de livros a serem aceitos. Rejeitou todo o Velho Testamento por considerá-lo obra de um “deus inferior”. Sua lista de livros bíblicos inclui: uma versão resumida de Lucas (retirando os primeiros capítulos por serem muito judaicos) e mais dez epístolas de Paulo (as chamadas “Pastorais” não foram aceitas por serem-lhe contrárias, assim como todas as outras). Chamou “Efésios” de “Laodicenses”.

Sua rejeição dos livros bíblicos forçou as igrejas a tomarem uma posição explícita sobre estes livros. De fato, a rejeição dos livros prova que já havia um consenso, mas a igreja tornou-se mais consciente deste consenso na luta contra a heresia.

Na segunda metade do segundo século o Novo Testamento já é considerado par do Antigo. Começam os comentários, trabalhos literários e traduções do Novo Testamento. As traduções para o latim antigo e para o siríaco neste período já incluem todo o Novo Testamento, exceto 2 Pedro na versão siríaca. A heresia de Marcião e de Montano, bem como os movimentos gnósticos contribuíram para a aceleração do processo de reconhecimento dos livros inspirados, uma vez que Marcião negava muitos livros; Montano alegava ter novas revelações; e os gnósticos buscaram produzir sua literatura “superior”.

Taciano (170 d.C.) aluno de Tertuliano que depois tornou-se membro de uma seita rigorosa[11] escreveu o “Diatessaron”, uma harmonia dos evangelhos canônicos. Um documento chamado Cânon Muratoriano (170 d.C.) é uma cópia de um documento do segundo século descoberto pelo bibliotecário L. A. Muratori. O manuscrito do oitavo século, mutilado no início e no fim foi escrito em latim bárbaro. Faz uma lista quase perfeita do Novo Testamento como o temos hoje[12]. Irineu (morre em 202) conhece e emprega os quatro evangelhos. Cita todo o Novo Testamento exceto Filemom, 2 Pedro[13], 3 João, Judas, Tiago e Hebreus. Já em Clemente de Alexandria (morre em 215). quase todo o Novo Testamento é citado. Tertuliano (220) cita 22 livros do Novo Testamento[14].

No terceiro século, a compilação do Novo Testamento completo continua. A distinção dele das outras literaturas cristãs também está em progresso. Alguns dos problemas para a aceitação de certos livros persistem, mas cada vez com menos intensidade. Orígenes (185-254) é o grande estudioso deste período. Além de seus grandes labores na Septuaginta e na confecção da chamada Hexapla, de seus trabalhos teológicos, apologéticos e catéticos, Orígenes comentou quase todo o Novo Testamento em suas obras, sermões e tratados, enfatizava a inspiração divina dos livros. Dionísio de Alexandria (morto 265), discípulo de Orígenes explica que o Apocalipse sempre fora aceito no Ocidente, mas discutido no Oriente e que, no caso da Epístola aos Hebreus, ocorria o reverso. Ele aprova Tiago, 2&3 João, mas não 2 Pedro e Judas.

No século quarto a igreja já conseguiu descobrir e divulgar o cânon, lista de livros inspirados e autoritativos do Novo Testamento. Apesar das discussões regionais sobre alguns textos e das dificuldades de outros, em geral, o Novo Testamento já é aceito pela grande maioria como o conhecemos hoje.

Eusébio de Cesaréia (270-340) historiador eclesiástico discute largamente sobre os vários livros do Novo Testamento e outras literaturas que se aproximavam dele[15]. Num momento[16], faz um resumo e classificação em duas categorias, sendo que a segunda categoria tem duas subdivisões: (1) Os aceitos, admitidos ou “confessados”[17] por todos: os quatro evangelhos, Atos, as cartas de Paulo, 1 João, 1 Pedro e Apocalipse; (2) Os discutidos[18]: dentro desta categoria há duas sub divisões: 2.1 – Os reconhecidos[19]: Tiago, Judas, 2 Pedro, 2 & 3 João; 2.2 – Os espúrios[20]: Atos de Paulo, Pastor, Apocalipse de Pedro, Ep. de Barnabé, Didaquê, Apocalipse de João (Eusébio menciona que alguns o consideravam espúrio), Evangelho dos Hebreus.

Atanásio de Alexandria em 367 AD, em sua Epístola Festiva  para a Páscoa, alista os nossos 27 livros do Novo Testamento e mostra as razões para evitar os outros. Em termos gerais, depois desta época, a lista de livros do Novo Testamento ficou inalterada[21].

O processo de descoberta de quais livros deviam ser incluídos na Bíblia e quais não deviam não foi feito por nenhuma autoridade eclesiástica ou por concílios, como pretendem os romanos, mas veio de um consenso da igreja antiga que não determinou o cânon, mas o descobriu.

Os critérios mais comuns pelos quais os livros tinham que passar foram três: É apostólico? Alguma igreja recebeu este livro na antigüidade? É consistente com a doutrina?

1. Apostolicidade. Um livro seria aceito se tivesse sido escrito por um apóstolo, ou por alguém do círculo apostólico. Observe os escritores do Novo Testamento e sua condição de apostolicidade. Mateus, João, Pedro e Paulo foram apóstolos; Tiago e Judas eram irmãos (filhos de José e Maria) de Jesus; Marcos era associado na redação de seu evangelho com Pedro; Lucas era associado de Paulo no trabalho missionário. O autor de Hebreus, se não for Paulo, é alguém que se situa no círculo apostólico (Hebreus 2.3-4). Assim, todo o Novo Testamento está ligado aos apóstolos de Jesus, que tinham sido especialmente designados por ele como porta-vozes autorizados. A antigüidade do livro e a presença de doutrina apostólica aceita como padrão também contariam. É por este critério que Hebreus, Judas, Apocalipse e outros tiveram dificuldades para serem reconhecidos, pois sua autoria apostólica não era clara. Por outro lado, a atribuição do Didaquê, da Epístola de Clemente e do Pastor de Hermas, a personagens neotestamentários (apóstolos, Filipenses 4.3 e Romanos 16.14) levou alguns a pensarem que os livros eram inspirados. A igreja antiga procurava distinguir livros autoritativos, dos livros úteis, como a Epístola de Barnabé.

2. Recepção. A igreja receptora deveria ser a testemunha do uso contínuo do documento e de sua origem apostólica. Este critério que decorre do anterior, atrapalhou muito as chamadas “Epístolas Gerais” por não serem dirigidas a uma só igreja e portanto, carecerem de apoio específico no testemunho de sua origem apostólica.  O fato de um livro estar sendo lido em público na igreja seria um fator muito importante para sua aceitação (1 Tessalonicenses 5.27; 2 Tessalonicenses 3.14-15; Colossenses 4.16; Apocalipse 1.3; 3 João 9).

3. Consistência de doutrina, tendo como parâmetros o Velho Testamento, o ensino de Jesus e dos apóstolos. Ortodoxia é outro modo de entender este critério (Rm 6.17; 2 Tm 1.13; 1 Tm 6.20). As obras heréticas e apócrifas seriam logo rejeitadas nesta base. O bispo Serapião, de Antioquia (200 d.C.), ao saber que uma igreja de sua região lia e apreciava o Apocalipse de Pedro, fez uma avaliação e rejeitou-o com base no seu ensino herético.

Pedro, no fim da sua vida já afirmava o fato de que Deus havia doado ao seu povo, “todas as coisas que conduzem à vida e à piedade” (2 Pedro 1.3) e Judas, mais tarde ainda fala da “fé que de uma vez por todas foi entregue aos santos” (Judas 3). Estas afirmações mostram que os apóstolos e os profetas da igreja antiga estavam convencidos de que tinham recebido tudo o que era necessário para a igreja. Não falta nada aos cristãos que seguem o Novo Testamento.

Assim, a Bíblia foi escrita e seus livros reunidos num conjunto que foi transmitido, através dos séculos até os nossos dias. Através de cópias feitas à mão, os textos bíblicos do Velho e do Novo Testamentos foram transmitidos e preservados até invenção da imprensa e até que em 1516, o primeiro texto grego do Novo Testamento foi publicado por Erasmo de Rotherdan.

Os autógrafos originais de todos os livros do Novo Testamento não existem mais. Eram feitos de papiro e este material não resistia aos séculos em condições normais de uso. O que temos hoje, são cópias destes originais. O fato dos originais não existirem não deve assustar ninguém. Até mesmo a obra de Camões, “Os Lusíadas”, só é preservada por cinco cópias e não há o original. Mesmo assim, ninguém duvida de que temos a obra como Camões a escreveu com sua própria mão. A famosa “Ilíada” de Homero é atestada por 643 manuscritos, sendo que o mais antigo manuscrito completo é do século treze![22] As tragédias gregas de Eurípides são atestadas por aproximadamente 330 manuscritos[23]. E veja que o Novo Testamento tem mais de 24.000 fontes de evidência: quase 5.300 manuscritos gregos, 10.000 manuscritos latinos, 9.300 de outras versões. Veja que contraste entre o Novo Testamento e a “Ilíada” ou “Os Lusíadas”.

Outros contrastes ajudam a ver a riqueza de evidência do nosso Novo Testamento. [24]

A obra de Júlio César chamada As Guerras Gálicas, composta entre 58 e 50 a. C., foi preservada em vários manuscritos, mas apenas nove ou dez são bons e o mais velho dista 900 anos da época em que Júlio César viveu e escreveu.

Dos 142 livros da História de Roma do escritor Lívio (59 a. C. a 17 A. D.), apenas 35 sobreviveram e nos são conhecidos através uns quase 20 manuscritos, dos quais o mais antigo, que contém fragmentos dos livros III a VI, é do século quarto.

Da obra de Tácito, Historias, que constava de 14 livros, restaram  só quatro e meio. Outra obra sua chamada “Anais”, constava de 16 livros, mas somente 10 deles chegaram completos até hoje e outros dois apenas em partes. Contudo, os manuscritos mais antigos destas obras são dos séculos nono e décimo primeiro!

A História da Guerra do Peloponeso de Tucídides (460-400 a. C.) é conhecida através de oito manuscritos, sendo que o mais antigo é do início da era Cristã. O caso das Histórias de Heródoto (480-425 a. C.) não é diferente. E assim, também, ocorre com a maioria dos livros da antigüidade: só temos cópias recentes destes livros, e nunca os originais da mão do escritor.

Por outro lado, os livros do Novo Testamento têm milhares de manuscritos, vários bem antigos, evidenciando sua leitura original. Há centenas de papiros do segundo e terceiro séculos, sendo que já se discute que alguns deles podem ser até mesmo do primeiro século[25]! Há excelentes códices em pergaminho do quarto e quinto séculos e há milhares de outras testemunhas mais antigas do que as utilizadas para a atestação destas obras históricas que mencionamos acima.

Ninguém duvida que Heródoto, Tucídides, Júlio César, Tácito ou Lívio escreveram as obras deles que a nos chegaram, embora estas obras estejam muito pior preservadas que o Novo Testamento. Ninguém nega o valor ou a utilidade destas obras antigas, afirmando que estão tão corrompidas com os anos que são imprestáveis para o estudo, pelo contrário, são as obras fundamentais para o estudo dos períodos históricos sobre os quais se debruçam. Assim, o Novo Testamento tem muitíssimo mais direito de ser chamado de livro bem preservado e confiável para tratar dos assuntos e temas sobre os quais se preocupa.

O processo de redação dos livros bíblicos ocorreu sob a inspiração do Espírito Santo. Deus abençoou o processo de copiar o texto da Bíblia de modo que os pouquíssimos erros de cópia, quando existem, nunca são importantes para o sentido do texto ou da doutrina cristã. Para se ter uma idéia da extensão dos problemas devidos a cópia dos manuscritos, basta observar a ocorrência de colchetes na versão de Almeida Revista e Atualizada no Brasil. A presença de colchetes no texto indica um possível erro ou uma dúvida sobre o texto correto. O que se nota é que a ocorrência de tais marcas é muito rara.[26]

Os livros bíblicos, na forma de manuscritos, foram, durante a Idade Média, preservados em mosteiros. Foi nestes lugares que ficaram estocados, por séculos, os textos do Novo Testamento. Não havia muito uso para o texto bíblico, mas, assim mesmo, os monges guardavam os livros. Mesmo sem a intenção, estavam estocando dados arqueológicos que seriam descobertos séculos mais tarde, e que contribuiriam para reafirmar a preservação do texto bíblico. Como a Bíblia, neste período, não era a autoridade da igreja, mas sim o clero, não houve tentativas de mudar ou alterar o texto bíblico. A Bíblia não foi atacada por não representar, nesta época, perigo para os detentores do poder.

Durante o período que os historiadores chamam de Renascença, houve o despertamento dos estudiosos para as fontes originais do ensino de todo tipo de disciplina, inclusive, da Bíblia. Começou-se a estudar as línguas originais da Bíblia e buscar as cópias mais antigas da mesma. Saindo um pouco do esquema cronológico, há o exemplo de Constantin von Tischendorf que, no século dezenove, visitava mosteiros antigos à busca de manuscritos antigos e que, dentre outras coisas, acabou encontrando o famoso (e antigo) manuscrito Sinaítico, que tem todo o Novo Testamento, do quarto século da era cristã. Foi este tipo de espírito que fez com que os textos bíblicos fossem buscados em sua situação original.

Em 1516, um humanista conhecido como Desidério Erasmo ou Erasmo de Rotherdan, publicou o primeiro Novo Testamento em grego, encerrando o período de transmissão manuscrita do Novo Testamento e iniciando uma verdadeira “febre” de publicação de textos gregos do Novo Testamento. Foi com base nestes textos gregos que, mais tarde, as traduções bíblicas foram reiniciadas e a palavra de Deus divulgada cada vez mais. (Tecnicamente, o primeiro Novo Testamento Grego foi impresso pelo cardeal Ximenes de Cisneros mas, como a obra aguardava o término da impressão do texto do Velho Testamento para ser distribuída, a obra de Erasmo é considerada a primeira).

Desde o tempo de Erasmo, os editores de Novos Testamentos gregos foram sofisticando suas técnicas e descobrindo manuscritos cada vez mais antigos. O resultado foi a produção de edições críticas do Novo Testamento grego, que recuperam em altíssimo grau de qualidade e certeza, o texto original do Novo Testamento.

O texto hebraico do Velho Testamento foi preservado pelos judeus na maioria dos casos. Mais ou menos ao redor dos anos 500 a 900 d.C., eruditos judeus chamados Massoretas introduziram um sistema de pontos colocado acima, abaixo e entre o texto consonantal do Velho Testamento, de forma a marcar a vocalização do texto (Além disto eles cercaram o texto de uma série de anotações chamadas Massorá, que garantiam a imutabilidade do texto). Estes pontos, chamados pontos vocálicos, exerceriam a função de vogais, mas tinham a vantagem de nada acrescentar ou tirar do texto consonantal inspirado. Este sistema preservou a pronúncia do hebraico que, nesta época, era língua dos eruditos judeus. Foi o texto hebraico preservado por este grupo de eruditos judeus que chegou aos dias de hoje.

O rigor com o qual os judeus transmitiram a Bíblia Hebraica até hoje pode ser visto nas prescrições abaixo, preservadas no Talmude:

“Um rolo de sinagoga deve ser escrito sobre peles de animais limpos, preparadas por um judeu, para o uso particular da sinagoga. Estas devem ser unidas mediante tiras [de couro] retiradas de animais limpos. Cada pele deve ter conter um certo número de colunas, igual em toda a extensão do códice. A altura da coluna não deve ser menor do que 48 nem maior do que 60 linhas; e a largura deve ser de 30 letras. Toda a cópia deve ser primeiro dotada de linhas; e se três palavras forem escritas nela sem uma linha, será sem valor. A tinta deve ser preta, não vermelha, verde nem de qualquer outra cor e deve ser preparada de acordo com uma receita definida. Uma cópia autêntica deve ser o modelo do qual o transcritor não deve desviar-se até nos menores detalhes. Nenhuma palavra, letra e nem ainda um yod[27] deve ser escrito de memória sem que o escriba não a tenha olhado no códice que está a sua frente. … Entre cada consoante deve intervir o espaço de um cabelo ou de um pavio; entre cada palavra o espaço será de uma consoante estreita; entre cada novo parashah ,ou secção, o espaço será de nove consoantes; entre cada livro, três linhas. O quinto livro de Moisés deve terminar exatamente com uma linha, mas os restantes não necessitam terminar assim. Além disto, o copista deve sentar-se com vestimenta judia completa, lavar todo o seu corpo, não começar a escrever o nome de Deus com a pena recentemente molhada na tinta e mesmo que um rei lhe dirigisse a palavra enquanto estava escrevendo este nome, deve não dar atenção a ele.”[28]

Os manuscritos mais antigos oriundos dos trabalhos dos Massoretas são dos anos 900 a 1000 d.C. Apesar de serem tão distantes dos originais, a arqueologia tem demonstrado que eles fizeram um bom trabalho ao preservar o texto hebraico. Os manuscritos encontrados no Mar Morto (pertenciam a uma comunidade de Essênios de Qumran) datados, em geral, de 100 a.C – 100 d.C., confirmam a exatidão do chamado Texto Massorético, embora haja mais de 1000 anos de distância entre estes achados arqueológicos e os mencionados manuscritos dos massoretas.

Até esta descoberta de manuscritos em Qumran (Mar Morto), os mais antigos e mais importantes manuscritos do Antigo Testamento em hebraico eram os seguintes[29]:

·      Manuscrito Oriental nº 4445 do Museu Britânico: trata-se de uma cópia do Pentateuco (Gênesis 39.20 a Deuteronômio 1.33) cujo texto remonta a 850 d.C.

·      O Códice dos Profetas Anteriores e Posteriores da Sinagoga Caraíta do Cairo. Foi escrito em Tiberíades em 895 d.C. Os Profetas Anteriores são: Josué,  Juízes, Samuel, Reis. Os Profetas Posteriores são: Isaías, Jeremias, Ezequiel, Os Doze (Profetas Menores).

·      O Códice Petropolitano, escrito em 916 d.C. (ou 930 d.C.), veio da Criméia. Contém apenas os Profetas Posteriores. Está na biblioteca de Leningrado (a antiga Petrogrado, donde deriva o nome Petropolitano).

·      O Códice de Alepo, de cerca de 980 d.C. contém todo o texto do Antigo Testamento. Era guardado zelosamente pela sinagoga sefárdica de Alepo. Foi contrabandeado em anos recentes da Síria para Israel. Será utilizado como base da nova Bíblia Hebraica, em preparo pela Universidade Hebraica, de Jerusalém.

·      O códice de São Petersburgo (B 19a) Está na biblioteca de Leningrado (Rússia). Foi escrito cerca do ano 1000 d.C. Foi copiado no ano 1008-9 d.C., no Cairo. Este, por um tempo, foi o mais antigo manuscrito completo do Antigo Testamento com data conhecida. Ele é a base da moderna Biblia Hebraica Stuttgartensia.

Embora estes textos fossem os mais antigos, as descobertas de Qumran trouxeram à luz textos que confirmam a exatidão da transmissão textual do Antigo Testamento. É muito conhecido o caso do famoso Rolo do livro de Isaías, chamado 1QIsª, datado de 150-100 a.C., que era cerca de 1000 anos mais velho que os mais antigos manuscritos até então existentes! O texto deste rolo concorda com os das nossas Bíblias atuais e, muitas vezes, se mostra inferior ao texto preservado pelos massoretas nas Bíblias hebraicas modernas. Temos assim uma prova singular da autenticidade e da preservação cuidadosa das Escrituras.

Foram encontrados em Qumran cerca de 823 manuscritos, sendo que a maior parte é de livros bíblicos ou relacionados. Alguns manuscritos achados em Qumran, além do supra citado manuscrito de Isaías, são[30]:

·      O comentário de Habacuque (1QpHb) que tem apenas os capítulos 1 e 2, datado de cerca de 100-50 a.C.

·      O rolo de Isaías da Universidade de Jerusalém (1QIsb) datado de cerca de 50 a.C. contendo parte do livro. Não confundir com o outro rolo de Isaías mencionado antes.

·      Fragmentos de Levítico (1QLv) contém os capítulos 19-23. Este tem sido datado entre os séculos IV e II a.C. Está grafado com páleo-hebraico, uma forma arcaica de escrever.

·      4QSmª do livro de Samuel, datado do primeiro século a.C.

·      4QSmb, uma cópia de textos de Samuel, talvez seja o manuscrito mais antigo descoberto em Qumran. Datado de cerca de 225 a.C. ou antes, com uma ortografia primitiva.

·      4QXIIª é uma copia dos Profetas Menores datada do século terceiro a.C.

Há centenas de outros manuscritos de Qumran que podiam ser mencionados. Estes bastam, contudo, para mostrar que temos encontrado materiais muito antigos e que eles somente tem aumentado nossa confiança no texto bíblico, na certeza que ele foi bem preservado e transmitido até os dias de hoje.

Um famoso teólogo do início do século XIX, F.C.Baur, dizia que o evangelho de João só tinha sido escrito por volta do ano 160 d.C., negando a origem apostólica do documento. Mas no século XX já se descobriu um fragmento do evangelho de João, no Egito, datado de 125 d.C., derrubando completamente a teoria daquele “erudito”. Este papiro (tecnicamente conhecido como Papiro 52), contém poucos versos do evangelho de João (18.31-33, 37-38), mas era o texto mais antigo do Novo Testamento que conhecíamos e mostra que o evangelho que havia sido escrito depois de 90 d.C. já tinha alcançado uma cidade do Egito em menos de 35 anos! É desta forma que as descobertas recentes confirmam o relato e o texto da Bíblia.

Numa caverna da Judéia, descobriu-se um fragmento de papiro designado 7Q5 (localizado na caverna 7, agrupado aos manuscritos de Qumran e identificado como #5). Foi datado, por paleografia, como sendo de cerca do ano 50 d.C. Um estudioso católico José O’Callaghan, estava tentando o livro do Velho Testamento ou da literatura judaica ao qual o fragmento pertencia, não conseguiu identificar nenhuma parte desta literatura. Só por curiosidade, verificou se havia aquela seqüência de letras no NT e para sua surpresa, descobriu que o fragmento encaixava-se perfeitamente em Marcos 6.52-53. Tal descoberta foi muito contraditada, mas recentemente vem se impondo com força tal que muita coisa deve mudar nas teorias de datação dos evangelhos sinóticos. Tudo por causa de um “papelzinho bem pequenininho”…

The Times,  um famoso jornal inglês publicou em sua primeira página na véspera do natal de 1994 a notícia: “Um papiro que se acredita ser o mais antigo fragmento existente do Novo Testamento foi encontrado na biblioteca de Oxford” “Ele fornece a primeira prova material de que o Evangelho segundo Mateus é um relato de testemunha ocular, escrito por contemporâneos de Cristo”. A reportagem apoiava-se no trabalho de um respeitado estudioso bíblico alemão, o paleógrafo Carsten Peter Thiede. O papiro estava na biblioteca do Magdalen College (Faculdade Madalena), e havia recebido em 1953 uma datação errada, situando-o no fim do segundo século A.D., e portanto, não despertava atenção. A data atualmente proposta para este papiro é 50 A.D.! “Estes fragmentos são provas importantes da sofisticação e ambição institucionais da igreja antes da destruição do Templo, sugerindo uma bem planejada estratégia eclesiástica em ação nos meados do século I A.D”.

Depois disto e com base em pesquisas semelhantes, papiros tem recebido novas datas:

PAPIRO

DATA ATUAL

[proposta]

DATA ANTIGA

[talvez errada]

p46

 85 A.D.

c. 200

p66

 125 A.D.

c. 200

p32

 175 A.D.

c. 200

p45

 150 A.D.

séc. III

p77

 150 A.D.

séc. II/III

p87

 125 A.D.

séc. III

p90

 150 A.D.

séc. II

 

Os papiros são os mais antigos documentos nos quais o Novo Testamento foi preservado. Contudo, até mais importantes do que eles, são os chamados “Manuscritos Unciais” ou os “Códices Unciais” do Novo Testamento, onde o texto foi copiado sobre pergaminho com letras maiúsculas ou unciais. Estas obras, fruto da época em que a igreja deixou de ser perseguida, preservou o Novo Testamento de forma completa ou quase completa, e foi a base dos grandes labores dos críticos textuais do século XIX em prol de um texto neotestamentário acurado.

Os principais são[31]:

·      O Códice Sinaítico ( a ). Pertence ao Museu Britânico. Data da primeira metade do século IV (c. de 340 d.C.). Foi descoberto pelo erudito L. F. Constantin von Tischendorf, em 1844 no Mosteiro de Santa Catarina, ao sopé do Monte Sinai. A história de sua aquisição é muito impressionante. Foi o Czar da Rússia que o adquiriu em 1889. O governo inglês comprou-o dos russos em 1933 por 100.000 libras esterlinas, equivalentes, na época, a 500.000 dólares.

·      O Códice Vaticano (B). Data do início do século IV (c. de 325 d.C.). Pertence à biblioteca do Vaticano, que em 1475, já incluía este manuscrito no seu catálogo. É um texto de alta qualidade para os estudos do Novo Testamento.

·      O Códice Alexandrino (A). Pertence ao Museu Britânico. Data do início do século V (c. de 425 d.C.). Tem este nome porque foi escrito em Alexandria e também pertenceu à Biblioteca Patriarcal à partir de 1098. Em 1621 foi levado à Constantinopla por Cirilo Lucar, patriarca de Alexandria. Em 1624 Cirilo presenteou-o ao rei Tiago I da Inglaterra, o mesmo que autorizou a famosa versão inglesa de 1661. Em 1757 o rei Jorge II doou a biblioteca da família real à nação e assim o famoso manuscrito chegou ao Museu Britânico.

·      O Códice Efraemi ou Efraimita (C). Pertence ao Museu do Louvre, Paris. Data do século V (c. de 450 d.C.). É um palimpsesto, ou seja, o Novo Testamento foi “raspado” no século XII para que o pergaminho fosse usado para escrever outra obra: os escritos e Efraém, da Síria. Tischendorf conseguiu restaurar a leitura original e encontrou ali os dois Testamentos incompletos. Tischendorf publicou-o em 1845.

·      O Códice Beza (D). Pertence à biblioteca da Universidade de Cambridge, Inglaterra. Data do Século VI. Trata-se do mais antigo códice bilingüe do Novo Testamento. Contém os Evangelhos, Atos. É um texto famoso pelas suas adições e desvios antigos. Passou pelas mãos de Teodoro Beza, que o doou à Universidade de Cambridge.

·      O Códice Claramontano (D2). Pertence ao Museu de Louvre, Paris. Data do Século VI. Contém as epístolas paulinas incluindo Hebreus. É bilingüe (grego e latim) e também passou pelas mãos de Beza.

Há centenas de outros códices, mas estes ilustram a riqueza e a grande variedade de testemunhas em favor do texto do Novo Testamento. Além destes grandes códices unciais, há os cursivos, ou seja, escritos com letras minúsculas. Além destes há os chamados lecionários e uma série de outros artefatos que servem de ajuda na preservação do texto do Novo Testamento. Somando a isto as antigas versões do Novo Testamento que também tem centenas de manuscritos e adicionando também as citações dos textos bíblicos feitas pelos antigos escritores cristãos, temos como resultado, um testemunho sólido e imenso em favor da veracidade do texto do Novo Testamento.

O que se conclui de toda a história da origem e da preservação da Bíblia, é que não existe livro do mundo antigo tão bem preservado como a Bíblia. Deus deixou aos homens a tarefa de preservar o texto bíblico, mas não os abandonou sozinhos nisto. As evidências que temos hoje, no decorrer da história da Bíblia, é que Deus cuidou de sua palavra, em nosso benefício.

De fato, “a Escritura não pode falhar” (Jo 10.35) e “passará o céu e a terra, mas as minhas palavras não passarão” (Mc 13.31). Jesus sempre tem razão.

 

A BÍBLIA ESTÁ COMPLETA

Muitos perguntam sobre os supostos livros tirados da Bíblia pelos reformadores protestantes: os chamados apócrifos. Como se verá abaixo, os livros apócrifos, chamados pela igreja romana de “deuteronômicos”, nunca fizeram parte da Bíblia, nem para os judeus, nem para Jesus, nem para os apóstolos e nem para a igreja.

O termo “apócrifo” vem da palavra grega APOKRYPHOS que quer dizer “oculto”, “escondido” e daí a idéia de serem livros “duvidosos”. Esta é a designação dos livros que não devem fazer parte da Bíblia ou do cânon bíblico. Eles são sete (ou oito) livros: Tobias, Judite, 1 e 2 Macabeus, Sabedoria, Eclesiástico (não confundir com Eclesiástes), Baruque e Epístola de Jeremias (esta, ora é contada como um livro separado, ora adicionada a Baruque). Entre os apócrifos, ficam também as adições aos livros bíblicos de Ester e Daniel.

Estes livros surgiram no período de aproximadamente 400 anos entre Malaquias e João Batista, conhecido como o “período intertestamental” ou “interbíblico”. Este tempo foi caracterizado pelo silêncio profético, de modo que não houve nele profetas de Deus como os antigos profetas do Velho Testamento. O período intertestamental foi agitado e conturbado. Os livros apócrifos manifestam as incertezas e esperanças do período. A maior parte destes livros foi escrita entre os anos 200 a.C. e 100 d.C.. Foram escritos e distribuídos em grego, embora alguns tivessem originais hebraicos.

Os livros canônicos para a igreja são os nossos 39 livros do Velho Testamento, que correspondem exatamente aos 22-24 livros do cânon judaico. A igreja segue o princípio de que “aos judeus foram confiados os oráculos de Deus” (Rm 3.2) e portanto, os cânones judaico e cristão do Velho Testamento devem coincidir.

O que ocorre, contudo, é que tais livros nunca fizeram parte da Bíblia. Como se verá, nem a igreja, nem os judeus acreditavam nestes livros. A postura da igreja romana no Concílio de Trento foi equivocada e contrária à sua própria tradição.

O prólogo do livro de Eclesiástico (fim do séc. II a.C. = aprox. 130 a.C.) diz: “Visto que a Lei, os Profetas e os outros escritores, que se seguiram a eles, deram-nos tantas e tão grandes lições … meu avô Jesus, depois de dedicar-se intensamente à leitura da Lei, dos Profetas e dos outros livros dos antepassados, … mas a própria Lei, os Profetas e o resto dos livros têm grande diferença nos originais…” (1-2, 7-10, 24-26; a Bíblia de Jerusalém).

O que se observa é que os judeus desta época já tinham a divisão de três partes dos livros do Velho Testamento: Lei, Profetas e Escritos. Os livros que pertenciam a este conjunto é que eram reconhecidos como divinos. Os livros apócrifos, nunca foram contados entre aqueles livros ou entre as três divisões da Bíblia Hebraica.

Jesus (aprox. 30 d.C.) citou e aceitou a tríplice divisão do cânon judaico  (Lucas 24.44-45; Mateus 23.35; Lucas 11.51). O livro inicial e final é o mesmo do cânon judaico (Gênesis a 2 Crônicas) a referência de Mateus 23.35 e Lucas 11.51 não é cronológica pois o último assassinato cronológico é o de Urias em Jeremias 26.23, logo a expressão é literária. As vezes Jesus só cita “Lei e Profetas” como em Mateus 7.12; 22.40; Lucas 16.16; Mateus 11.13. Em outras ocasiões o termo “Lei” abrange tudo no Velho Testamento (João 10.34; Romanos 13.8-10; Gálatas 5.14). O fato é que Jesus nunca cita um apócrifo como Escritura.

A Septuaginta, (séc. III ao I a.C.), versão do VT do hebraico-aramaico para o grego, começou a ser feita no tempo dos Filadelfos (285-247 a.C.) em Alexandria, Egito. No começo só o Pentateuco foi traduzido, o resto veio depois. Parece que o prólogo de Eclesiástico refere-se a ela. As cópias, completas ou quase completas, mais antigas que temos desta versão são do século IV, e foram confeccionadas por cristãos. Elas tem todos os livros da Bíblia hebraica e alguns dos livros apócrifos.

Isto levou alguns a teorizarem a existência de dois “cânones” do Velho Testamento, um palestiniano e outro alexandrino. Tal teoria, porém, cai por terra quando se observa o conteúdo dos grandes manuscritos da Septuaginta do quarto e quinto séculos.

Eles tem os seguintes livros apócrifos e pseudo-epígrafos:

Nome do manuscrito

sigla de

identificação

apócrifos

omitidos

pseudo-epígrafos presentes

Vaticano

B

1 e 2 Mc

1 Ed

Sinaítico

alefh

Bar

4 Mc

Alexandrino

A

nenhum

1 Ed, 3 e 4 Mc

 

A tabela mostra que os grandes manuscritos cristãos da Septuaginta, embora tivessem todos os livros da Bíblia Hebraica, não tinham os apócrifos com constância e até tinham alguns livros que ninguém, nem mesmo a igreja romana, tenta incluir na Bíblia.

Isto é suficiente para mostrar que não havia consenso sobre que livros adicionar na Septuaginta.  A omissão de vários dos apócrifos e a inclusão de livros que ninguém nunca aceitou como inspirados, ajuda a ver que não havia uma “lista oficial” de livros em Alexandria que era diferente da “lista oficial” da Judéia.

Antes de mais nada, é bom lembrar de novo que as cópias encadernadas da Septuaginta que temos hoje são oriundas dos cristãos e não dos judeus. O fato das cópias da Septuaginta incluir e omitir apócrifos e pseudo-epígrafos mostra que a colocação deste livros numa só encadernação com os inspirados não era indicação de sua aceitação no “cânon” bíblico. Além disto, a igreja lia estas obras, mas considerava-as secundárias. Não há nada que pudesse ser chamado de “cânon alexandrino”.

Filon e Josefo, que utilizavam quase exclusivamente esta versão grega, mas sempre defenderam o cânon da Bíblia hebraica.

Flávio Josefo (aprox. 90 d.C.) disse: “Não temos dezenas de milhares de livros em desarmonia e conflitos, mas só vinte e dois contendo o registro de toda a história, que , conforme se crê com justiça, são divinos. Cinco são de Moisés, que referem tudo o que aconteceu até a sua morte, durante perto de três mil anos, e a seqüência dos descendentes de Adão. Os profetas que sucederam este admirável legislador, escreveram em treze livros tudo o que se passou depois de sua morte até o reinado de Artaxerxes, filho de Xerxes, rei dos Persas, e os quatro outros livros contêm hinos e cânticos feitos em louvor de Deus e preceitos para os costumes. Escreveu-se também tudo o que se passou desde Artaxerxes até os nossos dias, mas como não se teve, como antes, uma seqüência de profetas, não se lhes dá o mesmo crédito que aos outros livros de que acabo de falar e pelos tais temos tal respeito que ninguém jamais foi tão atrevido para tentar tirar ou acrescentar ou mesmo modificar-lhe a mínima coisa. Nós os consideramos como divinos, chamamo-los assim …” (Contra Ápio 1.8).

Josefo fala apenas de 22 livros porque os judeus dividiam seus livros de modo diferente do nosso. Suas Bíblias tinham 22 ou 24 livros, mas estes são exatamente iguais aos 39 livros da Bíblia atual. Veja abaixo, dois modos possíveis dos judeus arrumarem os livros da Bíblia;

 

TEXTO MASSORÉTICO e IV ESDRAS – 24 livros

FLÁVIO JOSEFO – 22 livros

(a distribuição é hipotética)

TORÁH

Gn, Ex, Lv, Nm, Dt = 5

Gn, Ex, Lv, Nm, Dt. = 5

NEBI’IM

Profetas anteriores – Js, Jz, Sm, Rs = 4

Profetas posteriores – Is, Jr, Ez, XII = 4

Js, Jz-Rt, Sm, Rs. Is, Jr-Lm, Ez, XII, Dn, Ec, Es-Ne, Et, Cr. = 13

KEThUBhIM –

Poesia e sabedoria – Sl, Jó, Pv. = 3

“Megilloth” – Rt, Ct, Ec, Lm, Et = 5

História – Dn, Es-Ne, Cr. = 3

Poesia e sabedoria – Sl, Pv, Jó, Ct. = 4

 

Josefo reconhece as 3 divisões do cânon e os mesmos livros da Bíblia Hebraica(22). Na opinião dele, nenhum livro canônico foi escrito depois do reinado de Artaxerxes (462-424 a.C.) e ainda afirma que, durante estes séculos, desde Artaxerxes, nada foi alterado nos livros sagrados. Embora Josefo conhecesse os livros do período interbíblico, não os considerava canônicos. Embora fosse um leitor da Septuaginta, não cria que os chamados apócrifos fizessem parte da Bíblia.

Alguns costumam afirmar que foi o “concílio judaico de Jamnia” (aprox. 90 d.C.) que retirou os apócrifos do Velho Testamento. Isto é absurdo! Pouco se sabe sobre este suposto sínodo. Depois da destruição da Jerusalém, o Rabino Johanan ben Zakkai obteve permissão dos romanos para estabelecer-se em Jamnia e desenvolver a atividade literária. O local tornou-se um centro de estudo bíblico para os judeus e discutiu-se a canonicidade de livros como Ezequiel, Ester, Cantares, Eclesiástes e Provérbios.

O fato é que não havia ali um verdadeiro concílio acontecendo e o que eles faziam era discutir como lidar com alguns livros já considerados autoritativos. As discussões eram acadêmicas e não representavam o pensar do povo. As razões das suas dúvidas eram: Ester não trazia o nome de Deus; Eclesiastes parecia filosofia epicurista; Cantares falava apenas do amor sensual; Ezequiel apresentava os rituais do templo em aparente contradição com a Lei; Provérbios tinha contradições aparentes (26.4,5).

O certo é que Jamnia não deve ser tomado como decisivo para o cânon do Velho Testamento, apesar de todos os livros da Bíblia hebraica serem finalmente referendados e acatados ali. Os judeus de Jamnia trabalhavam sobre decisões anteriores e não as alteraram em nada. Somente expressaram as dúvidas de seu tempo e até anteriores, e acabaram ficando com o que começaram. Os chamados apócrifos não foram objeto de discussão naquela reunião judaica.

O bispo Melito de Sardes (aprox. 170 d.C.) viajou para o Oriente para investigar o número e a ordem dos livros do Antigo Testamento. Concluiu. “Cinco de Moisés. Gn Ex, Lv, Nm e Dt; Js, Jz, Rt, quatro dos Reinados, dois de Crônicas, Salmos de Davi, Provérbios de Salomão (que é também Sabedoria), Ec, Ct, Jó; Os profetas – Is, Jr, XII, Dn, Ez e Ed”.

Pode-se comentar que Lamentações deve estar incluído em Jeremias; e Neemias, em Esdras, como já era costumeiro. Ester é omitido, sem sabermos a razão; talvez estivesse incluído num mesmo conjunto: Esdras-Neemias-Ester. Não sabemos se o termo Sabedoria inclui o apócrifo ou não. Assim, a lista de Melito não ajuda a imaginar que os apócrifos tinham qualquer espaço entre os livros inspirados, embora fossem lidos e usados na igreja.

Tertuliano (160-250 d.C.) considerava canônicos os 24 livros da Bíblia Hebraica. Orígenes (morreu em 254 d.C.) disse que havia 22 livros no Velho Testamento, como Josefo. As únicas diferenças parecem ser a inclusão da “Epístola de Jeremias”, ignorando que esta não foi escrita em Hebraico[32], e dos Macabeus. Hilário de Poitiers (305-366 d.C.) mencionou o número de 22. Jerônimo (340-420 d.C.), tradutor da Vulgata, no “Prologus Galeatus”, e em outros lugares considerava apenas 22 livros do hebraico como canônicos, relegando os outros a uma posição secundária. “Este prólogo, como vanguarda com capacete das Escrituras, pode ser aplicado a todos os livros que traduzimos do hebraico para o latim, de tal maneira, que possamos saber que tudo quanto é separado destes deve ser colocado entre os apócrifos. Portanto, a Sabedoria comumente chamada de Salomão, o livro de Jesus, filho de Siraque, e Judite e Tobias e o Pastor (supõe-se que seja o “Pastor de Hermas”), não fazem parte do cânon. Descobri o primeiro livro de Macabeus em hebraico; o segundo foi escrito em grego conforme testifica a sua linguagem”[33]. Ele ainda declara ter descoberto Eclesiástico em Hebraico, mas que Sabedoria deve ter sido redigida em grego. Ele continua. “E assim, da mesma maneira pela qual a igreja lê Judite e Tobias e Macabeus mas não os recebe entre as Escrituras canônicas, assim também sejam estes dois livros úteis para a edificação do povo, mas não para estabelecer doutrinas da Igreja.” Também em seu comentário de Daniel enfatizou que as adições “História de Suzana” e “Bel e o dragão” não faziam parte do texto canônico de Daniel.

O cânon do Velho Testamento ficou sob discussão informal por muitos anos, e na verdade, nunca tinha sido bem definido. A tendência geral até a época de Agostinho (aprox. 400 d.C.) era a da rejeição dos apócrifos como canônicos, apesar de afirmar-se sua utilidade. Na época de Agostinho, talvez por influência dele, alguns chegaram a considerar os apócrifos de igual valor como os livros da Bíblia hebraica. No entanto, desde sua época até o século XVI os grandes intérpretes da Bíblia colocavam os apócrifos em um lugar “mais baixo” do que os livros da Bíblia. O catolicismo romano só veio a tomar posição em 8 de abril de 1546, no Concílio de Trento, em reação ao protestantismo. Mesmo assim, houve quem não concordasse com isto dentro do próprio catolicismo.

As chamadas “Bíblias Católicas” tem 46 livros no Velho Testamento, e adições de outros livros. Tal conceito de “Bíblia Católica” é inadmissível. A Bíblia é uma só. O que existe são edições produzidas pela igreja romana com acréscimos não inspirados no Velho Testamento.

As razões para se rejeitar os apócrifos já foram expostas, mas podem ser resumidas abaixo:

1. Estes livros nunca foram incluídos na Bíblia Hebraica dos judeus e “aos judeus foram confiados os oráculos de Deus” (Rm 3.2).

2. Jesus e os apóstolos conheciam estes livros, mas nunca os citam como Escritura inspirada. As alusões a estas obras não constituem prova de nada, a não ser do conhecimento que eles tinham destas obras. Os escritores do Novo Testamento também fazem alusões a obras como o livro de Enoque, Assunção de Moisés, 3 e 4 Macabeus, etc. Se as alusões provassem algo, então haveria muitos outros livros incluídos, além dos reconhecidos pelo Vaticano.

3. Estas obras não foram aceitas pelos escritores judeus do primeiro século tais como Josefo e Filo. Os rabinos de Jamnia e muitos cristãos eminentes não aceitavam tais obras. Mesmo homens como Filo e Orígenes, de origem alexandrina, não tentavam incluir estes livros no cânon. Jerônimo não os incluía na Vulgata. Eruditos católicos contemporâneos ao Concílio de Trento não aceitavam tais livros. O cardeal Ximenes, em sua Poliglota Complutense (1514-1517) havia feito distinção entre os apócrifos e os canônicos. O cardeal Cajetan, que se opusera a Lutero em 1518, publicou em 1532, uma lista de livros fidedignos do AT  que não incluía os apócrifos.

4. Os livros não têm qualidades próprias de livros inspirados por Deus. O livro de Judite é altamente lendário, com vários erros ou desvios deliberados da história[34]. Nabucodonosor é retratado como rei da Assíria(?), em Nínive; seu general é Helofernes (um nome persa?), e assim, há vários erros. Há erros doutrinários tais como oração pelos mortos[35]. A obra chamada Tobias relata práticas que combinam mais com bruxaria do que com Deus[36]. A moral de Sabedoria e de Eclesiástico é muitas vezes falha, quando comparada com a Bíblia: mostra desprezo pela mulher[37], revela tendência pela avaliação materialista da espiritualidade e aproxima-se da ética dos filósofos gregos, o que não é, em si mesmo, um fator ruim, mas que ocasionalmente compromete o conselho apresentado. O fim do livro de 2 Macabeus[38] tem uma “confissão” da falta de inspiração e de autoridade do escritor. Ele considera a possibilidade de sua obra “não exceder a mediocridade” (TEB) ou “estar imperfeita e medíocre” (BAM) ou estar composta “vulgarmente e de modo medíocre” (BJ). Nenhum autor inspirado poderia tem colocado tal observação no fim da Palavra de Deus.

5. Os livros mentem e exageram. São livros “bons demais”. Com isto queremos dizer que contam histórias exageradas e por demais parciais. Os livros verdadeiramente inspirados não escondem limitações e pecados dos seus protagonistas, mas, nos apócrifos, os personagens são “super-santos” e verdadeiras maravilhas de religiosidade. O quadro é, sem dúvida, artificial. Os milagres e histórias apresentados são, justamente, aqueles que agradam ao orgulho humano. Não soam como os livros inspirados que nos repreendem, mas parecem afagar o ego dos leitores. São livros do homem para o homem.

6. Eles não podem e não devem acompanhar os livros inspirados, pois geram confusão. A igreja Anglicana e outras envolvidas no Ecumenismo mantêm os livros numa posição “semi-canônica” aceitando-os na leitura pública, mas não para determinar doutrinas. Este tipo de tentativa de agradar “gregos e troianos”, não contribui para a certeza da verdade. Os livros são inspirados e lidos na igreja, ou não devem ser lidos. Não lemos Tomás  a Kempis, Euclides da Cunha, Homero ou Heródoto nos culto. O único livro da igreja tem que ser a Bíblia, porque ela é inspirada por Deus.

7. Um decreto romano não pode mudar a verdade e nem séculos de história. Os apócrifos sempre foram rejeitados e suspeitos. O Concílio de Trento, na sua quarta sessão, no dia 8 de abril de 1546 decretou que os apócrifos eram Escritura canônica com autoridade igual a todos os outros livros do cânon. Tal decisão foi contestada tanto por católicos como pelos protestantes. Uma das grandes razões romanas para incluir estes livros eram os textos onde eles favoreciam doutrinas católicas que estavam sendo contestadas pelos protestantes, como por exemplo, a doutrina da oração pelos mortos criticada por Lutero e defendida com base em 2 Macabeus 12.45-46. Por outro lado, nem todos os chamados “apócrifos” foram canonizados. Os seguintes livros que estavam no mesmo conjunto com os apócrifos não foi canonizado: 3 e 4 Esdras e a Oração de Manassés. Um dos motivos da exclusão de 2 Esdras era porque continha um verso forte contra as orações aos mortos (2 Esdras 7.105).

O Novo Testamento também tem seus apócrifos, mas como são obras clara e definitivamente espúrias, muito inferiores ao Novo Testamento, nunca houve controvérsia se estes livros foram retirados da Bíblia ou não, pois, a verdade é que eles nunca estiveram ali.

Eles não fazem parte do cânon pelas mesmas razões descritas acima para os apócrifos do Velho Testamento.

Os apócrifos do Novo Testamento surgiram com o desejo de suprir informações omitidas, adornar as narrativas, propagar ensinos heréticos ou novos, entreter, sistematizar ensinos, acomodar mitos, tradições e filosofias anteriores.

É interessante ver nos apócrifos a preocupação de apresentar Jesus de modo mais glorioso do que o que foi apresentado nos evangelhos inspirados pelo Espírito. Pretendiam suprir algo que, no pensar de seus escritores, faltava ao retrato de Jesus. Nos evangelhos apócrifos, a caverna onde Jesus nasceu é posta a brilhar mais do que o Sol. Dragões, panteras, leões e outros animais vêm e adoram ao menino Jesus. A família de Jesus (pai, mãe e irmãos) não ousava comer sem primeiro ter a bênção dele e dar-lhe a precedência no ato de servir-se. O menino Jesus ensinava os seus professores. Fazia pardais de barro que voavam quando ele batia palmas. Transformou um homem em uma mula, crianças zombeteiras em cabritos, etc. Um menino que derramou a água que Jesus havia juntado ao brincar, é “ressecado”; os pais imploram a ele pelo filho e ele o cura, mas deixa um membro ressecado como aviso. Estes são apenas alguns exemplos dos apócrifos! Quanta  bobagem!

Há, nestes apócrifos, ditos atribuídos a Jesus, que são verdadeiras fórmulas de falsas doutrinas, tais como a idéia de panteísmo. Não passam de uma tentativa de colocar na boca de Jesus a idéia de uma pessoa ou de um sistema religioso.

Enfim, a Bíblia foi bem conservada. Nada se perdeu, nada se acrescentou, nada se transformou. Deus, que inspirou sua palavra, transmitiu-a durante a história com grande fidelidade, mesmo que através de homens falhos.

 

A BÍBLIA ESTÁ BEM TRADUZIDA

Surge, então, uma última questão. De que adianta uma Bíblia inspirada por Deus, bem conservada pelos séculos, mas que tem inúmeras traduções conflitantes? Na verdade, esta insinuação é falsa. A Bíblia é o livro mais e melhor traduzido no mundo, de todas as épocas. O mesmo Deus que inspirou a Bíblia e deixou aos homens a tarefa de preservá-la, também deu aos homens a obrigação de traduzi-la. A ordem de evangelizar todas as nações do mundo (Mt 28.18-20; Mc 16.15-16) tinha como conseqüência natural a tradução da Bíblia para estes povos.

Hoje, as traduções da Bíblia feitas por eruditos, especialistas nas línguas antigas e modernas têm dado cada vez mais certeza da compreensão da vontade de Deus e do evangelho.

Embora existam muitas igrejas e muitas doutrinas, elas não se baseiam em “diferenças de traduções da Bíblia”. Mesmo numa Bíblia publicada por uma editora católica, os irmãos de Jesus ainda são irmãos de Jesus. Eles não ousaram traduzir a palavra de outra forma. Nas notas de pé de página, contudo, há tentativas de explicação. No caso de Atos 2.38, todas as traduções ensinam que o batismo é “para remissão de pecados”. Embora o mundo evangélico, em sua maioria, não aceite esta expressão, não ousam mudar sua tradução: em todas as Bíblia evangélicas em português, o batismo, em Atos 2.38, é “para remissão de pecados”.

O único grupo que, deliberadamente, altera a tradução da Bíblia para “vender” sua doutrina é a Sociedade Torre de Vigia. Eles são os únicos que fazem grandes alterações e adulterações na tradução bíblica. Podemos esperar que, no passar dos anos, surjam traduções estranhas que, na verdade, não são traduções. Mas, em geral, ninguém ficará sem compreender a Bíblia, se usar as traduções mais comuns e mais tradicionais que existem à disposição de todos.

A Bíblia é uma obra muito bem traduzida e através desta tradução, podemos entender a vontade de Deus. Não é possível deixar de ver a vontade de Deus na Bíblia. Podemos, contudo, ficar seguros que o que temos hoje em mãos, e em nossa língua, representa muito bem a mensagem salvadora de Deus em Jesus.

Em português, a melhor versão para estudo bíblico é a tradução de João Ferreira de Almeida, Revista e Atualizada no Brasil, 2ª edição, publicado pela Sociedade Bíblica do Brasil. Há uma concordância muito boa publicada para o estudo desta Bíblia, e também programas de computador que têm esta versão, além de muitas outras. Para quem quer uma versão mais simples, o Novo Testamento, Versão Fácil de Ler, publicado pela Editora Vida Cristã, é uma excelente opção. Também a Nova Versão Internacional, agora em português, deve ser uma obra melhor do que a original inglesa.

Notas_____



[1] Ted T. Stewart,  Evidências Cristãs (apostila), São Paulo, Editora Vida Cristã, 1993; J. D. Thomas,  Razão, Ciência e Fé, São Paulo, Editora Vida Cristã, 1984; Josh McDowell, Evidência que exige um veredicto (vols. 1 e 2), São Paulo, Editora Candeia, 1989/93.

[2] Estes livros são chamados Pentateuco.

[3] Os eruditos costumam chamar de “logia”, ou “Q”, o mais famoso destes documentos hipotéticos.

[4]Testimonia” é o nome que se dá a estas seleções de textos.

[5] Esta teoria é chamada “A Teoria das Quatro Fontes”, que seriam: Marcos, “Q”, “M” e “L”, onde M e L são, hipotéticas fontes exclusivas das quais Mateus e Lucas se utilizaram respectivamente.

[6] Milton Fischer, “O Cânon do Novo Testamento” in Philip Wesley Comfort (ed.), A Origem da Bíblia, Rio de Janeiro, CPAD, 1998, pág.s 101-110.

[7] Conforme bem lembrou B.B. Warfield (citado por Michael Green, 2 Pedro e Judas: Introdução e comentário, São Paulo, Edições Vida Nova, 1983, p. 36, nota 73), o fato de um autor ou de um livro ser pouco citado no período logo após sua composição não pode ser usado como negação de sua existência ou como prova contra sua antigüidade. Ele cita o caso de Heródoto, que é citado uma só vez no século após sua composição. Tucídedes só foi citado dois séculos depois da sua composição! Desta forma, o fato de certos livros do Velho e do Novo Testamento demorarem para ser citados não prova sua não existência.

[8] Cita Jesus e Paulo, considerando este último como Escritura (Filip 12.1). [Efésios 4.26].

[9] Ep. de Barn. 4.14

[10] Apologia I,67,3

[11] Ele tornou-se encratita, uma seita que enfatizava demais o “auto-controle” de modo a exigir abstenção de muitas coisas.

[12] Mt, Mc, Lc, Jo, At, 1 & 2 Co, Ef, Fp, Cl, Gl, 1 & 2 Ts, Rm, Fm, Tt, 1 & 2 Tm, Laodicenses e Alexandrinos tratadas como espúrias, Jd, 1 & 2 Jo, Sabedoria, Ap, Apocalipse de Pedro [seria 2 Pedro?], reconhecendo que alguns rejeitam o último, recomenda Pastor de Hermas, sem autoridade.

[13] Há várias formas de se ler este documento e ver nele alusões a 2 Pedro.

[14]  Os 4 evangelhos, Atos, 13 cartas de Paulo, 1 Pe, 1 Jo, Jd, Ap. Conhece Hb mas não considera canônica.

[15]  História Eclesiástica, III.

[16] História Eclesiástica III,25.1-7

[17] “HOMOLOGOUMENA”

[18] “ANTILEGOMENA”

[19] “GNORIMA”

[20]  “NOTHA”

[21] O reconhecimento dos livros do Novo Testamento variou de região para região: Igreja siríaca: O uso no culto era o mais importante fator de canonicidade. Usava-se o Diatessaron até o século V. Só no século VI que 2 Pedro, 2 e 3 João, Judas e Apocalipse foram aceitos. Reconhece todo o Novo Testamento, mas algumas de suas ramificações ainda não aceitam 2 Pedro, Judas, 2 & 3 João e Apocalipse. Igreja grega: adicionam livros no Velho Testamento. Dividiu os livros do Novo Testamento em três categorias. 1. “ANANTIRRETA” ou “HOMOLOGOUMENA”, isto é, livros sobre os quais não se fala nada ou que são aceitos por todos; 2. “amfiballomena”, são aqueles que são colocados oura entre os aceitos, ora entre os rejeitados (2 Pedro, 2&3 João, Hebreus, Tiago, Judas); 3. “PSEUDE”, ou seja, falsos: os apócrifos do Novo Testamento. Igreja latina: adicionam livros no Velho Testamento. Nos Concílios de Hipona (393) e Cartago (397) tudo ficou resolvido. Jerônimo e Agostinho contribuíram para a aceitação dos 27 livros do Novo Testamento. Posteriormente a igreja romana dividiu os livros do Novo Testamento em canônicos e deuterocanônicos. Igrejas Anglicana e Luterana: aceitam os chamados apócrifos como úteis para vida e instrução, mas não para estabelecer doutrina. Igrejas etíopes: aceitam 1 Enoque e o Livro dos Jubileus.

[22] Josh McDowell, Evidência  Que Exige Um Veredito, 2ª ed. (Evidence That Demands A Verdict, Historical Evidences for the Christian Faith, Revised Edition, San Bernardino, Here’s Life Publishers, Inc., 1979, trad, Márcio Redondo), São Paulo, Candeia, 1996, pág. 54.

[23] Philip W. Confort, A Origem da Bíblia, Rio de Janeiro, CPAD, 1998, pág. 255.

[24] F. F. Bruce, Merece Confiança o Novo Testamento? 2ª ed.(Are the New Testament Documents Reliable?, Chicago, InterVarsity Press, 1943, trad. Waldyr Carvalho Luz), São Paulo, Edições Vida Nova, 1990, pág. 23-24.

[25] Philip W. Confort, A Origem da Bíblia, Rio de Janeiro, CPAD, 1998, pág. 251, 269-270;,  Carsten Peter Thiede & Matthew D’Ancona, Testemunha Ocular de Jesus, Imago Editora, Rio de Janeiro, 1996.

[26] Também a Bíblia na Linguagem de Hoje e a Nova Versão Internacional informam ao pé da página as possíveis variações textuais.

[27] Menor letra do alfabeto hebraico (Mateus 5.18 o “i”).

[28] S. Davidson, Text of Old Testament2, p. 89, citado por James Hastings, A Dictionary of The Bible, Vol. 4, Peabody, Hendrickson, 1988 [original de 1898], pág. 949.

[29] Gleason Archer Jr., Merece Confiança o Antigo Testamento, São Paulo, Edições Vida Nova, 1974, pág. 42-43. Julio Trebolle Barrera, A Bíblia Judaica e a Bíblia Cristã: introdução à história da Bíblia, Petrópolis, Vozes, 1996, pág. 317.

[30] Gleason Archer Jr. Op. Cit., pág. 38-39.

[31] Wilson Paroschi, Crítica Textual do Novo Testamento, São Paulo, Edições Vida Nova, 1993. capítulo 2.

[32] Hist. Ecles. VI.25

[33] Citado por Gleason L. Archer Jr. Merece Confiança o Antigo Testamento, São Paulo, Edições Vida Nova, 1974, pág. 76, nota 5.

[34] Judite 1.1ss

[35] Baruque 3.4; 2 Macabeus 12.38

[36]  Tobias 6.2-9; 8.2-3: queimar o fígado de um peixe para espantar demônio!

[37] Siriácida 25.13, 24, 25-26; 33.25-26

[38] 2 Macabeus 15.38

 

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