EXEGESE:
MOVIMENTO PARA FORA
de
João Luiz Correia Jr.
[O texto a seguir foi extraído, com permissão do autor, da obra “Chave para análise de textos bíblicos: com exercício de análise.” São Paulo: Paulinas, 2004, pp. 7-9 (no prelo, com carta de aceite). ]
A exegese consiste em compreender o texto em sua forma e em sua essência: compreendê-lo como literatura (por meio da análise literária), e como produto histórico cultural (por meio da análise sociológica)[1].
Para tanto, é necessário escolher um trecho do texto que tenha sentido completo (cuja palavra técnica é “perícope”, um trecho do texto que tem sentido completo).
Apresentamos aqui alguns pontos que nos ajudam a fazer exegese de texto.
1. Delimitação da perícope
Trata-se de observar o corpo da perícope, em sua delimitação interna e externa.
1.1 Delimitação interna da perícope
Para que a perícope seja melhor compreendida, é importante perceber a sua delimitação interna, isto é, onde a perícope começa e onde termina, bem como sua estrutura interna, isto é, as sub-unidades da perícope.
Para tanto faz-se necessário estar atento a alguns detalhes:
-mudança de cenário (através, por exemplo, de conectivos).
-mudança de ação (mudança dos tempos verbais)
-mudança de sujeito
-mudança de personagens
-mudança de destinatário
-mudança de assunto
-mudança de vocabulário
1.2 Delimitação externa da perícope
Trata-se de observar o contexto literário em que a perícope está inserida no texto, isto é: em seu contexto literário imediato e em seu contexto literário mais amplo.
2. Análise de paralelos
Consiste em observar os texto paralelos, por meio de perícopes que tratam do mesmo assunto, no próprio livro que se está estudando ou noutros livros da Bíblia, tanto do Antigo como do Novo Testamento.
3. Análise dos Fenômenos Literários
É importante observar os fenômenos literários mais importantes:
– Vocabulário (palavras-chave do texto)
– Imagens e figuras literárias
– Repetições de frases e palavras
– Ênfases
– Paralelismos (procedimento literário de frases paralelas: sinonímico, antitético, progressivo ou sintético.)
– Recursos de construção: palavras ou frases que organizam o documento ou texto: “Assim diz…”; “No dia seguinte…”;
– Quiasmo: forma de organizar um texto por assunto; normalmente a parte central é a parte enfatizada. Exemplo (Jo 6,37-39):
a)Todos aqueles que o Pai me dá virão a mim.
b)e de modo nenhum jogarei fora aqueles que vierem a mim.
c)Pois desci do céu para fazer a vontade daquele que me enviou e não a minha própria vontade
b’)Quem me enviou quer que eu faça isto: que nenhum daqueles que o Pai me deu se perca,
a’)Mas que eu ressuscite todos no último dia.
4. Gênero Literário e Estilo
Façamos a distinção entre um e outro. Baseio-me aqui no livro de Uwe Wegner, um completo manual de metodologia para a exegese do Novo Testamento.[2]
4.1 Gênero Literário
O Gênero Literário compreende o conjunto de textos que apresentam a mesma estrutura formal básica, acrescidos de conteúdos ou outras características similares. Fala-se de gênero, portanto, quando ditos ou narrativas apresentam um conjunto de formas idênticas, acrescidas de outros elementos comuns.
A diferença mais antiga, generalizada e ampla, é a distinção entre prosa e verso. Pode ser em Prosa (narrativa, retórica e expositiva) ou Verso (poema épico, lírico ou dramático).
Como exemplos de gêneros no material discursivo podem ser citados: ditos proféticos, ditos sapienciais, ditos de seguimento, hipérboles e parábolas. No material narrativo temos os gêneros dos relatos de milagres, das controvérsias, dos relatos da paixão, entre outros.
Material narrativo
Material discursivo
– Relatos de milagres, subdivididos em milagres de cura e da natureza.
– Narrativas históricas e lendas, que compreendem várias narrativas da pré-história e infância de Jesus (Mt 1,18-25; 2,1-23; Lc 1,26-38); os textos do batismo, da tentação e transfiguração (Mc 1,9-13; Mt 4,1-11 e Mc 9,2-10); a narrativa da paixão e os relatos da ressurreição e das aparições aos discípulos.
– Apotegmas (ditos sentenciosos de pessoas célebres, sentenças, máximas, proposições, provérbios), que podem ser sub-divididos em:
apotegmas de controvérsias (Mc 2,23-28 e 3,1-6)
apotegmas biográficos (Mc 1,16-20; 6,1-6 e 10,13-16)
– Ditos de Jesus, subdivididos em ditos sapienciais, proféticos e apocalípticos, ditos legais e regras eclesiásticas, ditos iniciados com “eu”, e parábolas ou palavras similares.
Convém diferenciar entre gêneros maiores e menores:
-Como “gêneros maiores” podemos destacar o dos Evangelhos, dos Atos dos Apóstolos, das Cartas (Epístolas), e do Apocalipse.
-Como “gêneros menores” pode-se encontrar uma multiplicidade, tais como: homologias (repetição das mesmas palavras, conceitos, figuras, no mesmo discurso); doxologias (fórmula de louvou à glória de Deus; enunciado de uma opinião comumente admitida), liturgias, catálogos de virtudes e vícios e outros encontrados nas Epístolas e no Apocalipse.
Os gêneros estão diretamente ligados às necessidades e tarefas das comunidades às quais o texto é dirigido. Assim, por exemplo:
-gênero dos paradigmas: narrativas breves e sucintas, sem descrição de pormenores históricos, que costumam culminar num dito incisivo de Jesus, com o objetivo da pregação.
-gênero dos ditos de Jesus: têm a tarefa da parênese, ou seja, a necessidade de orientar a conduta dos cristãos.
-gênero das narrativas de milagres: com o objetivo de fomentar a fé e a cura no interior das comunidades
4.2 Estilo
O Estilo é a criatividade do autor (ou da comunidade em que o texto foi produzido, por meio do seu círculo literário), o jeito próprio de escrever dentro do Gênero Literário escolhido, previamente conhecido naquela cultura.
O “estilo” de um texto engloba toda a sua forma de apresentação, como introduções ou finais típicos. E descrições breves ou pormenorizadas dos eventos.
Tomemos o estilo de Marcos como exemplo que nos permita fazer as seguintes constatações:
-Pertence ao estilo característico de Mc o emprego da “parataxe” (prática de iniciar os textos ou as frases com o emprego de “e” (kaí, em grego), em vez de particípios ou orações subordinadas. Este estilo está bem presente em 2,15-17, pois, além de todos os versículos principiarem com “e”, a parataxe é também empregada adicionalmente no v. 15b.
-Outra característica do estilo de Mc é o uso freqüente do presente histórico. Isto pode ser igualmente confirmado em 2,15-17 (v.15: e acontece estar ele reclinado…; v. 16: tendo visto que come…”; v. 17: e, tendo ouvido, o Jesus diz a eles…).
-Ao estilo próprio de Mc pertence também o emprego do grego oti no sentido interrrogativo “por que?”, como o segundo oti do v. 16. Nenhum dos demais evangelhos emprega o termo neste sentido. Mc o faz ainda por outras duas vezes (9,11,28).
[1] “Não se “sai” do texto (ex-egese, do grego ago, “conduzir / guiar”) trazendo um sentido puro nele recolhido, como um mergulhador traz um coral à superfície do mar ou como se tira um objeto de um cofre. Antes, a partir de um horizonte vivencial novo que repercute significativamente na produção de sentido que é a leitura, “entra-se ” no texto (eis-egese) com perguntas que nem sempre são as de seu atuor”. CROATTO, J. Severino. Hermenêutica bíblica: para uma teoria da leitura como produção de significado. São Paulo: Paulinas; Porto Alegre: Sinodal; 1986, p.59.
[2] WEGNER, Uwe. Exegese do Novo Testamento: manual de metodologia. São Leopoldo: Sinodal; São Paulo: Paulus, 1998, pp. 147, 168-170.
Copyright © 200
5 JoãoLuiz Correia Jr. Todos os direitos reservados.
Data Inicial: