O Evangelho de Judas e o Testamento
de Joaquim Silvério dos Reis (Parte II)

de Dennis Downing

Veja Parte I também.

5. O conteúdo do “Evangelho de Judas”

Agora passaremos a examinar o conteúdo do suposto “Evangelho de Judas” em comparação com os Evangelhos da Bíblia. Há várias características do suposto “Evangelho de Judas” que estão em pleno conflito com os relatos históricos sobre Jesus e o Judas histórico. As reportagens a respeito do documento levantaram questionamentos sobre a veracidade histórica dos quatro Evangelhos. Mas, é importante notar que o “Evangelho de Judas” se trata de um documento só, escrito pelo menos 200 anos após os fatos históricos, e que tenta apresentar um retrato em plena contradição com quatro versões de autores diferentes, todos os quais concordaram sobre a atuação de Judas e a pessoa histórica de Jesus.

Vale lembrar que, diferente do suposto “Evangelho de Judas”, os quatro Evangelhos da Bíblia foram escritos e circularam entre pessoas que viviam nos dias de Jesus e que podiam contestar os relatos e informações neles contidos. Estes Evangelhos foram lidos e comentados por teólogos da época que também podiam contestar os relatos sobre Jesus e o próprio Judas. No entanto, toda a evidência existente da época indica que os quatro Evangelhos foram bem aceitos por testemunhos oculares dos eventos históricos e por outras pessoas que ouviram os relatos dos mesmos. Há, portanto, motivos de sobra para confiar nos Evangelhos da Bíblia.

– Segundo o “Evangelho de Judas”, Jesus freqüentemente não apareceu como si mesmo, mas, como uma criança. “Freqüentemente ele não apareceu aos discípulos como si mesmo, mas, foi achado entre eles como uma criança.” [Não há nenhum relato nos outros quatro Evangelhos, nem dos outros autores do resto do Novo Testamento inteiro que seja remotamente semelhante a tal afirmação estranha.]

– No “Evangelho de Judas” várias vezes Jesus ri dos discípulos. Uma vez ele ri de uma oração que os discípulos fazem, provocando-os à ira. [O verdadeiro Jesus jamais desprezou uma demonstração sincera de fé como a oração dos discípulos. Ao contrário, como Mateus afirmou a respeito de Jesus, citando o profeta Isaías, Jesus “Não esmagará a cana quebrada, nem apagará a torcida que fumega” Mat 12:20. Esta profecia nos lembra que, para Jesus, qualquer demonstração de fé sincera é para ser cuidada e preservada, não desprezada ou ridicularizada. O Jesus dos Evangelhos da Bíblia seria incapaz de insultar ou desprezar a fé de seus seguidores. Quando os discípulos discutem entre si quem é o maior no Reino, uma postura que merecia ser criticada por Jesus, ele dá uma demonstração da humildade que precisam, colocando uma criança no seu colo e ensinando com toda paciência (Mc 9:33-37). Veja também Mt 9:13; 11:28-29; Lc 4:18-19.]

– Jesus diz a Judas “Você será o décimo terceiro, e você será amaldiçoado pelas outras gerações – e você irá reinar sobre elas.” [O verdadeiro Jesus, retratado nos quatro Evangelhos legítimos, ao invés de exaltar posição e poder, chama seus seguidores a se humilharem e se submeterem, uns aos outros, como ele mesmo fez – como um servo: Mat 18:1-4; 20:25-28; 23:8-12;; 10:42-45; Lc 9:46-48; 22:24-27; João 13:1-17]

Típico do gnosticismo, o documento contém várias referências a revelações secretas e conhecimento reservado só para um grupo seleto: O documento começa: “O relato secreto da revelação que Jesus falou em conversa com Judas Iscariotes durante uma semana três dias antes que ele celebrou a Páscoa.”

O suposto evangelho continua, enfatizando mistérios e revelações secretas.
– “Ele começou a falar com eles sobre os mistérios além do mundo e o que aconteceria no fim.”
– “Jesus disse a eles ‘Como é que vocês me conhecem? Verdadeiramente [eu] digo a vocês, nenhuma geração do povo que está entre vocês irá me conhecer.”
– “Sabendo que Judas refletia sobre algo exaltado, Jesus disse a ele ‘Separe-se dos outros e eu lhe contarei os mistérios do reino’.”
– Jesus diz a Judas “[Venha] para que eu possa lhe ensinar sobre [segredos] que nenhuma pessoa [tem] jamais visto. Porque existe um domínio vasto e sem limites, cuja extensão nenhuma geração dos anjos tem visto…”

O apóstolo e evangelista João escreveu duramente contra a tendência gnóstica de exaltar conhecimento “especial” e “escondido”.

1 João 2:18-29 (ARA) 18 Filhinhos, já é a última hora; e, como ouvistes que vem o anticristo, também, agora, muitos anticristos têm surgido; pelo que conhecemos que é a última hora. 19 Eles saíram de nosso meio; entretanto, não eram dos nossos; porque, se tivessem sido dos nossos, teriam permanecido conosco; todavia, eles se foram para que ficasse manifesto que nenhum deles é dos nossos. 20 E vós possuís unção que vem do Santo e todos tendes conhecimento. 21 Não vos escrevi porque não saibais a verdade; antes, porque a sabeis, e porque mentira alguma jamais procede da verdade. 22 Quem é o mentiroso, senão aquele que nega que Jesus é o Cristo? Este é o anticristo, o que nega o Pai e o Filho. 23 Todo aquele que nega o Filho, esse não tem o Pai; aquele que confessa o Filho tem igualmente o Pai. 24 Permaneça em vós o que ouvistes desde o princípio. Se em vós permanecer o que desde o princípio ouvistes, também permanecereis vós no Filho e no Pai. 25 E esta é a promessa que ele mesmo nos fez, a vida eterna. 26 Isto que vos acabo de escrever é acerca dos que vos procuram enganar. 27 Quanto a vós outros, a unção que dele recebestes permanece em vós, e não tendes necessidade de que alguém vos ensine; mas, como a sua unção vos ensina a respeito de todas as coisas, e é verdadeira, e não é falsa, permanecei nele, como também ela vos ensinou. 28 Filhinhos, agora, pois, permanecei nele, para que, quando ele se manifestar, tenhamos confiança e dele não nos afastemos envergonhados na sua vinda. 29 Se sabeis que ele é justo, reconhecei também que todo aquele que pratica a justiça é nascido dele.

João assegurou à primeira geração de Cristãos que o conhecimento que já haviam recebido, revelado por meio dos Evangelhos de Mateus, Marcos, Lucas e João, era suficiente e completo. Eles não precisavam de revelações extras ou especiais. Notamos que a ênfase de João não está em conhecimento novo de coisas escondidas, e sim, na prática daquilo que já conhecem (vv. 28-29).

No Apocalipse o Senhor declarou que tal “conhecimento” de “coisas profundas” de fato vinha de Satanás (Apoc 2:24). Apocalipse 2:24 (ARA) “Digo, todavia, a vós outros, os demais de Tiatira, a tantos quantos não têm essa doutrina e que não conheceram, como eles dizem, as coisas profundas de Satanás: Outra carga não jogarei sobre vós.”

Uma das insinuações mais equivocadas do alegado “Evangelho de Judas” diz respeito à morte de Jesus. Consistente com o pensamento gnóstico, o documento dá a idéia de que Jesus queria “escapar” do seu corpo físico. O gnosticismo ensinava um dualismo, provavelmente procedente da filosofia grega, que via o corpo e o espírito como duas realidades em conflito. Tudo que era material, como o corpo, era mal e tudo que era “espiritual”, como a alma, era bom. Segundo o suposto “Evangelho”, Jesus diz a Judas “Mas, você ultrapassará todos eles. Pois você irá sacrificar o homem que me reveste.” De acordo com o pensamento gnóstico, a alma de Jesus (o bom) queria se livrar do corpo (o material e, portanto, mal).

Contrário a este dualismo, a Bíblia não atribui um caráter necessariamente mal ao corpo físico. De fato, o corpo físico será ressuscitado no dia de julgamento e neste corpo o espírito do homem permanecerá para eternidade. A doutrina da ressurreição corporal de Jesus Cristo após a sua crucificação é fundamental para todo Cristianismo. Este fato foi atestado pelos quatro Evangelhos e pelo apóstolo Paulo (Mateus 28:1-7; Marcos 16:1-6; Lucas 24:1-8; João 20:1-9; 1 Coríntios 15:2-5; 14). Existem cópias destes documentos, ou citações deles por outros autores da época atestando este fato, datados dentro de uma geração da vida e morte de Jesus. Que os primeiros Cristãos acreditaram na morte e ressurreição corporal de Jesus é um fato histórico incontestável.

Mas, é preciso reconhecer que este fato tem implicações para crenças como do gnosticismo do “Evangelho de Judas”. Se Jesus ia voltar para seu corpo, se ele ia ressuscitar neste corpo, por que desprezar o corpo? Para que se apressar em se livrar de um corpo para o qual ele iria voltar? Foi este mesmo corpo, perfurado e ferido, que serviu Jesus como prova palpável da sua ressurreição (Lucas 24:39-40; João 20:25-27).

O Apóstolo João escreveu “O que era desde o princípio, o que temos ouvido, o que temos visto com os nossos próprios olhos, o que contemplamos, e as nossas mãos apalparam, com respeito ao Verbo da vida…” (1 João 1:1). Ele escreveu isso porque, já na sua época, pessoas enganadas pelo gnosticismo nascente questionaram se Jesus havia ressuscitado corporalmente. E, João, que foi testemunho da ressurreição de Cristo, confirmou o fato com toda segurança.

O texto do suposto “Evangelho de Judas” não amplia nem melhora nosso conhecimento do Cristianismo, e sim, das seitas heréticas que desenvolveram suas bases após o início da era Cristã. Este documento tem valor histórico, pois confirma características do gnosticismo, como a ênfase no conhecimento e em revelações secretas. Mas, ele não nos ajuda a conhecer e seguir melhor o Jesus Cristo histórico, o Jesus da verdade.

De fato, é um equívoco chamar este documento de “Evangelho” pois o próprio nome significa “Boas Notícias”. Se o Jesus do alegado “Evangelho de Judas” é o verdadeiro, ele foi um homem que desprezou seus seguidores na sua falta de conhecimento, fez um jogo de esconder informações preciosas dos seus próprios discípulos, incentivou a concorrência entre seus seguidores e finalmente desprezou o próprio corpo que Deus o deu. Se isso é o verdadeiro Jesus, não há nada de Evangelho sobre ele. Graças a Deus, temos quatro Evangelhos verdadeiros que nos revelam tudo que precisamos saber sobre o verdadeiro Jesus. E o que vemos nos verdadeiros Evangelhos é boa notícia mesmo. Devemos é valorizar e conhecer melhor estes documentos preciosos e verdadeiros!

Conclusão

Há vários outros motivos pelos quais este suposto “Evangelho” deve ser questionado e finalmente rejeitado. Mas, outra fonte que devemos questionar é a própria mídia atual que parece se deleitar em apresentar “novidades” a respeito da fé Cristã, praticamente todas as quais colocam em dúvida a veracidade dos relatos bíblicos. Basta chegar Natal ou a Páscoa e lá vão aparecer as reportagens de um novo “Evangelho” ou “provas” da antiguidade sobre uma suposta amante oculta de Jesus.

Será que devemos esperar mais da mídia? Infelizmente, a resposta é não. A mídia atual se habituou a contar meias verdades, uma mistura de fatos e insinuações plausíveis que inclinam facilmente a verdade numa direção ou outra, de acordo com caprichos políticos, econômicos e até ideológicos. Às vezes, parece que o principal critério de base é se a história vai ter uma boa vendagem.

Em casos como do suposto “Evangelho de Judas” e a falta de análise objetiva dos fatos, vale a pergunta se a mídia atual ainda tem condições de discernir a verdade. Há muitas alegações a respeito do que “A Igreja” supostamente fez nos tempos primordiais do Cristianismo para esconder a verdade. E será que a mídia de hoje é diferente? Ela não tem seus interesses e sua agenda? É como o personagem de Dryden, representado perfeitamente pelo ator Claude Rains, em Lawrence da Arábia, diz “Um homem que conta mentiras apenas esconde a verdade, mas um homem que conta meias verdades esqueceu-se de onde a colocou.”

Os “outros” evangelhos? Paulo tinha toda razão – “Ainda que nós ou um anjo dos céus pregue um evangelho diferente daquele que lhes pregamos, que seja amaldiçoado!” Gálatas 1:8 (NVI).

Quanto à verdade, leia o Evangelho:

– E o Verbo se fez carne e habitou entre nós, cheio de graça e de verdade, e vimos a sua glória, glória como do unigênito do Pai. João 1:14

– Porque a lei foi dada por intermédio de Moisés; a graça e a verdade vieram por meio de Jesus Cristo. João 1:17

– Quem pratica a verdade aproxima-se da luz, a fim de que as suas obras sejam manifestas, porque feitas em Deus. João 3:21

– Mas vem a hora e já chegou, em que os verdadeiros adoradores adorarão o Pai em espírito e em verdade; porque são estes que o Pai procura para seus adoradores. Deus é espírito; e importa que os seus adoradores o adorem em espírito e em verdade. João 4:23-24

– Vós sois do diabo, que é vosso pai, e quereis satisfazer-lhe os desejos. Ele foi homicida desde o princípio e jamais se firmou na verdade, porque nele não há verdade. Quando ele profere mentira, fala do que lhe é próprio, porque é mentiroso e pai da mentira. Mas, porque eu digo a verdade, não me credes. João 8:44-45

– Santifica-os na verdade; a tua palavra é a verdade. Assim como tu me enviaste ao mundo, também eu os enviei ao mundo. E a favor deles eu me santifico a mim mesmo, para que eles também sejam santificados na verdade. João 17:17-19

Aonde está a verdade? Você já sabe. Você conhece a fonte. A questão agora é se você vai beber daquela fonte ou da outra. Hoje à noite você pode abrir o jornal, acessar um site de notícias, ler uma revista ou ligar o jornal da televisão. Você pode se aprofundar num livro “histórico” fascinante, ou assistir um filme que retrata personagens verídicos. Lá você verá e ouvirá muita coisa fascinante, algumas verdades, algumas meias verdades, e algumas mentiras. Será que vai conseguir distinguir uma da outra? E, depois de muito ver e ouvir esta mistura sedutora, será que você vai se importar?

Você pode beber, todos os dias, de uma fonte cuja versão da verdade é, no mínimo duvidosa. Ou, você pode abrir sua Bíblia e conhecer melhor a pura verdade, a mais pura que existe. A Verdade mesmo – Jesus Cristo. E esta Verdade traz boas notícias mesmo. Esta Verdade lhe ajuda a não só conhecer a verdade. Ela lhe ajuda a também distinguir entre verdades e mentiras e a mistura venenosa dos dois. Hoje mesmo você decide de qual fonte vai beber. A escolha é sua.

 


Em Parte I examinamos a data, autoria e autenticidade do “Evangelho de Judas”.

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09/05/06

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