O Papel do Autor
deRobert H. Stein
Os textos antigos não apareceram simplesmente na história, nem evoluíram de forma miraculosa a partir de árvores, papiros ou peles de animais. Alguém, em alguma época e lugar, dispôs-se a escrevê-los, para dizer alguma coisa a quem os lesse. Se isso não fosse verdade, nunca teriam aparecido. Pessoas inteligentes desejaram transmitir algo que significasse alguma coisa para algum leitor. Apesar de escritos com os símbolos lingüísticos da época (hebraico, aramaico, grego, latino, não importa) possuem um significado que não pode mudar. Os textos bíblicos estão fundados na História. Foram escritos no passado e dele fazem parte, mas isso não altera o que o autor queria transmitir, assim como não mudam os eventos nos quais se basearam.
Ainda assim, o que um autor do passado, como Paulo, conscientemente quis dizer também implica em coisas das quais, necessariamente, não tinha consciência. Essas implicações também são parte do significado do texto. Quando, por exemplo, o apóstolo escreveu em Efésios 5.18: “Não vos embriagueis com vinho”, estava consciente de que os cristãos não deveriam embriagar-se com a bebida. Essa declaração, todavia, tem implicações que vão além do texto. Paulo tratou de um princípio: não se embriagar com qualquer tipo de bebida — cerveja, uísque, rum, vodca, cachaça ou vinho. Se lhe perguntassem, declararia que, embora não estivesse conscientemente pensando em outras bebidas alcoólicas, certamente queria dizer aos cristãos que não se embriagassem com elas também. Ninguém em Éfeso teria raciocinado: “Paulo proíbe que nos embriaguemos com vinho, mas acho que não seria errado me embriagar com cerveja”. Os escritos do apóstolo vão além da sua consciência, e essas implicações não contradizem o significado original. Pelo contrário, fazem parte do texto e dizem respeito até mesmo a coisas que não existiam na época em que este foi escrito!
O propósito da interpretação bíblica não pressupõe apenas a compreensão específica da consciência do autor, mas também o princípio ou forma de significado que ele pretendeu passar. Se Paulo realmente proibiu as pessoas do nosso tempo de se embriagarem com bebidas alcoólicas, estaria ele também proibindo, em Efésios 5.18, o uso desnecessário e o abuso de narcóticos? É fato que outras declarações das Escrituras o proíbem, mas e esse versículo em particular? Se compreendemos o mandamento paulino como um princípio, então se depreende que essa passagem realmente adverte contra o uso de narcóticos. Se o princípio ou forma de significado pretendido por Paulo é algo como: “Não contamine seu corpo com substâncias como o vinho, que podem fazer com que você perca o controle de seus sentidos e inibições naturais”, então o uso de narcóticos é igualmente proibido por esse versículo. Se perguntássemos ao apóstolo sobre o assunto, com certeza responderia: “Eu não estava conscientemente pensando em narcóticos quando escrevi, mas foi exatamente a esse tipo de coisa que me referi”. O fato é que cada texto tem implicações ou significados dos quais o autor não está ciente, mas que se encaixam no significado pretendido. Com mais freqüência do que se imagina, a principal preocupação ao se interpretar um texto é compreender quais as verdadeiras implicações do significado do autor.
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O livro de Robert H. Stein do qual este texto foi extraído, “Guia Básico para a Interpretação da Bíblia”, pode ser encomendado da CPAD selecionando a capa do livro ao lado: