Implicações

 

deRobert H. Stein

 

 

Implicações são aqueles significados dos quais o autor não estava ciente, mas que, apesar de tudo, se enquadram legitimamente no padrão de significado por ele pretendido.

 

O significado específico que um autor como Paulo desejava é apenas a ponta do iceberg, a parte visível. Grande parte do padrão de significado pretendido pelo apóstolo não está explícito. Ainda assim, o significado específico envolve um padrão de significado que contém várias implicações, de cuja maioria o apóstolo não estava ciente, sendo, portanto, apenas parte de todos os subsignificados comidos nesse padrão. Em Efésios 5.18, por exemplo, o padrão desejado é a proibição da embriaguez com qualquer bebida alcoólica, e não apenas com vinho. O mandamento para não nos embriagarmos com vinho é apenas parte desse padrão. Ele envolve todas as bebidas alcoólicas atuais, assim como os narcóticos — mesmo que Paulo não fizesse idéia da existência dessas substâncias nem de como elas entrariam no corpo humano.

 

 

 

“Subsignificado” e “subestilo” são outros termos que podem ser usados para descrever as implicações. Outro sinônimo ainda é “significado inconsciente”, embora não seja tão abrangente quanto “implicação”, porque o autor pode estar consciente de várias implicações. mesmo que não as exponha. Paulo, sem dúvida, estava ciente de que Efésios 5.18 também proíbe a embriaguez com cerveja, pois era uma bebida que já existia na época. A implicação inclui esse subsignificado, porém jamais seria um significado inconsciente.

 

O objetivo da interpretação bíblica é compreender não apenas o significado dos autores das Escrituras, mas também, através de um padrão de significado, as várias implicações do texto. As implicações não são determinadas pelo intérprete, mas pelo autor. O intérprete, tal como o mineiro que se aventura pelas montanhas para encontrar ouro, busca descobri-las. O mineiro não cria o ouro da montanha, apenas procura o que já está lá. Assim também o intérprete das Escrituras. Ele busca na montanha da Palavra o ouro que o autor sagrado ali deixou.

 

As implicações legítimas de uma declaração como “Carvalhos são maravilhosos!” são determinadas pelo autor e pelo contexto: se foi proferida por uma criança subindo na árvore, é legítimo pensar que para ela “carvalhos são maravilhosos para subir, devido aos seus muitos galhos”. No entanto, se partiu de um empreiteiro construindo uma casa, de um artista pintando uma paisagem, de um engenheiro civil encarregado do controle do fluxo de água de um rio ou de um biólogo ensinando fotossíntese, os carvalhos seriam maravilhosos pela sua resistência para a construção de casas; pelas suas belas proporções; pela sua utilidade na prevenção da erosão e no controle do fluxo do rio; pela capacidade de converter nutrientes. Porém, a implicação de um não se enquadraria na do outro.

 

Gálatas 5.2 nos dá outro exemplo. Paulo declara: “Eis que eu, Paulo, vos digo que, se vos deixardes circuncidar. Cristo de nada vos aproveitará”. O significado específico que Paulo tinha em mente está bem claro. Ele desejava que os cristãos gentios da Galácia, seus leitores, soubessem que renunciaram a fé por ter cedido à pressão dos judeus e se submetido à circuncisão, que recusaram a graça de Deus em Cristo, procurando, em vez disso, estabelecer uma relação diferente com Deus, baseada em suas próprias ações ou obras; que não podiam misturar a fé, que está fundamentada na graça de Deus, com as obras da lei. Para os gentios na Galácia, aceitar a circuncisão equivalia, portanto, a renegar Cristo!

 

A circuncisão não é discutida pela Igreja cristã hoje. Mesmo assim, durante toda a história da Igreja, as implicações desse versículo provaram ser de grande utilidade. Lutero, no século XVI, tomou as indulgências e a penitência proclamadas pela Igreja Católica como uma tentativa de estabelecer uma relação com Deus dependente das próprias ações. Era renunciar a relação bíblica com a graça de Deus, mediada pela fé. Certamente, Paulo não estava pensando no abuso das indulgências do século XVI ou nas penitências quando escreveu sua epístola aos Gálatas. Lutero, porém, estava certo ao ver essa implicação implícita no significado de Paulo.

 

Lembro-me de uma situação em que as implicações desse texto foram extremamente relevantes para mim. Alguns fanáticos religiosos abordaram-me com a advertência de que, para ser salvo, eu precisava prestar culto em um dia específico da semana. Então respondi-lhes: “Minha esperança de salvação é que, quando estiver perante Deus, Ele se lembre de que Jesus morreu por mim e, por causa da sua redenção, me perdoou. Vocês estão dizendo que, se eu não prestar culto no dia em que vocês prestam, Deus não vai me aceitar?” A resposta deles foi: `”Se você não prestar culto nesse dia por ignorância, Deus pode perdoá-lo”. Então retruquei: “Mas não estou fazendo isso por ignorância! Presto culto no primeiro dia da semana porque era assim que a Igreja fazia antigamente”. “Então”, responderam eles, “você está condenado!” As implicações do texto paulino são claras: não podemos misturar graça e fé com obras da lei. É estritamente pela fé que somos salvos — não fé mais circuncisão; não fé mais indulgências; não fé mais penitências; não fé mais a guarda do sábado.

 

 

De modo similar, os mandamentos “não matar” e “não cometer adultério” (Êx 20.13,14) têm implicações que vão além do significado consciente do autor bíblico. Jesus as tornou evidentes quando disse que o ódio violava o significado do mandamento de não matar e que a cobiça pela mulher do próximo violava o significado do mandamento de não cometer adultério (Mt 5.21-48). Conseqüentemente, Jesus não está contradizendo Moisés, e sim trazendo à luz as várias implicações do padrão mosaico. Assim também o mandamento “olho por olho, dente por dente” (Êx 21.23-25) tem significados inconscientes, como não cortar a mão de uma pessoa por roubar um pedaço de pão e não executar alguém por matar um veado sob a proteção do rei — tais atos constituem-se abusos, pois não correspondem ao padrão de significado pretendido pelo texto bíblico, que é a punição adequada ao crime.

 

Todas as implicações de um texto são controladas pelo significado pretendido pelo autor. Se visualizarmos o padrão de significado de Paulo em Efésios 5.18 como um grande quadrado, apenas os subsignificados “quadrados” por natureza serão legítimos. Subsignificados “circulares” ou “triangulares” não serão válidos. (Ver ilustração “Padrão de Significado”) Portanto, para que sejam estabelecidos os limites das verdadeiras implicações do texto faz-se necessária uma compreensão clara e cuidadosamente definida do padrão pretendido pelo autor. Dessa maneira, enquanto substâncias alcoólicas e narcóticas se enquadram no significado de Efésios 5.18 (por seu efeito tóxico e por causarem descontrole das ações), comer em excesso ou trabalhar demais não estão implicados. Talvez outros textos tratem do exagero com relação à comida ou ao trabalho, mas não esse de Paulo.

 

 

 

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O livro de Robert H. Stein do qual este texto foi extraído, “Guia Básico para a Interpretação da Bíblia”, pode ser encomendado da CPAD selecionando a capa do livro ao lado:  


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